À hora a que escrevo, o tuíte do Instituto Português do Mar e da Atmosfera sobre o tremor de terra de ontem tem mais de 260 likes. Significa que, perante a informação de que ocorreu um sismo de 5.3 na escala de Richter, vários compatriotas clicaram no coraçãozinho, demonstrando a sua ternura pelo abalo. Em parte, este tipo de reacção automática deve-se à dificuldade que as pessoas têm em não assinalar postagens online. No dia em que começar a 3ª Guerra Mundial, há-de haver muita gente a sinalizar o anúncio com um polegarzinho em fixe.

Apesar disso, é um bocadinho estranha, esta falta de preocupação num país que teve a sua capital e várias outras cidades devastadas por um terramoto e que, supostamente, está à espera do próximo. Mas depois lembramo-nos que isto é Portugal, onde até eventos marcados numa agenda podem nunca ocorrer, quanto mais aqueles de que só se diz que talvez um dia possam suceder.

Se o aeroporto, que até já tem vários estudos de viabilidade, nunca vai ser construído, quanto mais o terramoto, sobre o qual nunca se fez sequer um debate público. Primeiro organizem um “É ou Não É?” sobre o próximo grande tremor de terra, depois falamos. Até lá, tremores como o da última madrugada só servem para entreter até ao fim das férias.

Não sendo leviano como alguns dos meus compatriotas, não encarei o terramoto com despreocupação. Tenho consciência social e, acima de tudo, sou pai. Não me posso dar ao luxo de ser irresponsável. Por isso, naturalmente, quando senti o tremor o meu primeiro instinto foi de alegria. Acordei com a casa a abanar e pensei: “Finalmente! O camião de lixo está de volta!” A recolha tem estado abandalhada e tive esperança que finalmente tivessem vindo esvaziar os contentores, pelo menos os que atraem mais ratos. Afinal, não. Era só um terramoto.

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O que não seria mau de todo, se viesse completo. Infelizmente, faltou a melhor parte, que é o tsunami. A praia onde vou tem estado pejada de limos que apodrecem e atraem aquele tipo de moscas impertinentes que atrapalham a sesta. Um maremoto vinha a calhar para limpar o areal.

A ligeireza com que o sismo está a ser encarado pelos portugueses também pode ter a ver com a forma como o terramoto de 1755 é ensinado hoje em dia. A influência das novas teorias de justiça social faz com que se fale pouco em devastação e morte e mais em opressão heteropatriarcal. Não interessa saber quantas casas foram destruídas, mas dá-se muita importância ao número de pessoas trans que foram discriminadas nesse fatídico Dia de Todos os Santos. Aliás, Todes es Santes.

Mesmo o facto de ter havido três réplicas não parece preocupar muita gente. Provavelmente, porque grande parte dos portugueses costuma fazer compras na Shein e já estão habituados a cópias.

A realidade é que, mais dia, menos dia, poderá haver outro terramoto que terraplane Lisboa. Temos de encarar essa possibilidade com rigor. E com esperança, também. Talvez nesse dia, que esperamos longínquo, ponhamos de lados nossas diferenças e o Bloco de Esquerda aceite que é preciso construir mais casas. É uma hipótese remota, mas nunca se sabe. Oxalá.

Termino dando nota de um sinal, esse sim, verdadeiramente preocupante. O meu cão não acordou. Nem o da vizinha, que ladra por tudo e por nada. Numa sondagem informal que fiz junto de amigos, nenhum cão deu o alarme. Não houve lambidelas na cara, patas a raspar portas, ganidos, uivos, nada. É óbvio que não nos avisaram de propósito. Era uma questão de tempo até isto de darmos importância ao PAN acabar por se virar contra nós.