1 Não serão precisas muitas reflexões sobre a derrocada do PSD. A estratégia de Rui Rio de elevação do “centro” a destino político sempre me surgiu como muito mais capaz de levar o partido a um poço que a um pódio. Levou. Atrevo-me por isso a bisar o que aqui escrevi há umas semanas sobre a “mudança de identidade” do PSD, os seus perigos e alçapões.
Foi isto: “Foi uma mudança de identidade.(…) O PSD costumava ser o motor de arranque de coligações ou frentes eleitorais que inspirava e liderava, abertas ao seu centro direita e ao seu centro esquerda, que agregavam, ampliavam, revitalizavam, esperançavam. Seduzindo o voto útil. Propiciando a criação daquele “momento” político que de repente transporta e anuncia uma mudança. (…)”
Adiante, acrescentava ainda que “as histórias se contam desde o princípio”: “Foi sob a liderança de Rui Rio no PSD que a Iniciativa Liberal, a Aliança e o Chega viram a luz do dia. É um facto político e não uma constatação. Ou seja, as sementes que o actual líder do PSD foi deitando á terra – pouco apreço e pouca convergência com o espaço à direita – e o modo como durante três anos ia adubando esse o solo, originaram três partos partidários pelo que proponho um exercício: se olharmos as coisas como elas foram no tempo de Pedro Passos Coelho, (…) o populismo não teve lugar. Nenhum populista que hoje beija o chão que Ventura pisa encontraria eco e guarida no tempo da coligação PSD/CDS. Apesar da rudeza e aspereza daqueles anos, do implacável cerco da troika, das esquerdas, da media e da direita beta (a das salas), a natureza da liderança política do então primeiro ministro nunca, como dizer? propiciou o crescimento das sementes do extremismo populista. Ou não existiam, ou ele tomou conta delas, adubando-as de outro modo. (…)
E finalmente num outro texto muito recente: “ A coisa mais interessante destas eleições – na qual nunca acreditei de resto – é poder-se finalmente concluir daqui a dias se a extraordinária estratégia de Rui Rio ao eleger o “centro” como lugar político o levará – ou não – à vitória.
2 Foi o que se viu sendo que se não se tivesse visto 1) o CDS não se teria sumido dos radares políticos, nem – imperdoável – 2) o PS se teria instalado com tamanho conforto na maioria absoluta. Não sou eu que me entretenho agora com o que parecem ser ociosas reflexões. Pelo contrário: são os números que o fazem por mim: ficou provado. Ou seja ninguém quis servir-se do queijo-tipo-serra: o verdadeiro Serra já estava em cima da mesa e era conhecido.
Quando evoco como tendo sido preferencial a opção por uma frente eleitoral liderada pelo PSD não ignoro que a IL obviamente não a integraria: não podia, era imperativo contar-se e avaliar-se eleitoralmente. Mas do que também não duvido é que se teriam entretanto estreitado laços e propósitos comuns entre PSD/CDS e a IL, de modo a que no final fosse politicamente tão verosímil quanto desejado um entendimento político entre as três forças partidárias: casamento, união de facto, convivência, coexistência. O que quer que fosse que tivesse evitado “isto”.
3 E agora? Agora é o cabo dos trabalhos (e da dúvida) na procura da relevância perdida para o PSD: será ele capaz de voltar a subir a “partido de primeira “deixando de ser o “médio” que agora é? Capaz de uma profunda, urgentíssima auto-reforma e não apenas de uma mera e por isso insuficiente substituição de dirigentes? Capaz de tornar claríssimo quem quer representar e porquê? Haverá generais capazes de percepcionar a utilidade e o lugar do partido no novíssimo xadrez partidário e num parlamento onde houve recomposição do espaço político? E das relações/negociações/ acordos/ estratégias que ela fatalmente implicará? Peço desculpa de tanta pergunta mas sem as respostas que elas desesperadamente reclamam, a hora continuará amarga e a conjuntura crítica. Em política não há lugares cativos.
4 No domingo de manhã, longe de saber que o PSD desceria no ranking partidário, cruzei-me com muitos jovens a caminho das mesas de voto. Foi quando alguém de repente me disparou: “não acredito que nenhum deles vote PS ou PSD. Porque haveriam de o fazer?”
Começou de facto outra história. Isto é: o PSD perdeu muitos deputados mas a “direita” – ou digamos, a oposição à esquerda – ganha deputados. Ganhou retumbantemente o PS mas a seguir a ele as três forças mais votadas não são de esquerda. Há a tal reconfiguração do parlamento. Daqui resulta que o tipo de oposição (fraca e aos tropeções na última legislatura porque Rio, por qualquer ainda hoje misteriosa razão, assim a quis) vai mudar. Desde logo no estilo: não se deve subestimar o arejo e a preparação da Iniciativa Liberal, nem a agressividade e a política-espetáculo do Chega que, mesmo que já conhecidos, irão potenciar a novidade e ampliar o seu eco político-parlamentar. Dois estilos onde o que marcará não é que sejam opostos mas a sua vontade de serem audíveis e marcantes no hemiciclo (e fora dele). A oposição – esta a que me refiro – mudará também no conteúdo porque feita a partir de uma plataforma liberal como o país nunca conheceu desde 1976 (pelo menos desta forma tão assumida e eficiente); e de uma “direita dura” que levantará os seus temas. Uns já os conhecemos por serem justamente não-temas. Mas… e se ela levantar outros? Comuns, quotidianos, concretos? Ou vão insultar-se quase meio milhão de portugueses, acusando-os do que não são e passando-lhes um atestado de portugueses de segunda para os ignorar?
5 O PS pela voz do seu secretário geral prometeu uma maioria de “diálogo”. É indispensável que anuncie com ênfase e empenho – como prioridade absoluta – que vai tratar da Economia. Que quer escolher a Economia. Depois de seis anos a fazer equilibrismo político e ideológico com os seus dois ex-cúmplices é o país que lhe reclama Economia (com maiúscula).
Voltando ao “diálogo” que tantas almas embeveceu… Ninguém normalmente constituído acredita na ficção de uma súbita e bondosa disponibilidade para o diálogo político, sem precisar de o praticar. Eles ficcionam muito: é um hábito, um tique, um gosto, uma necessidade, esta sede da ficção: uma espécie de habitat socialista. Retenhamos então que “a maioria será de diálogo”. Face à promessa deixo uma pequena pergunta não fantasiosa: o PS com uma maiorias absoluta teria – é só um exemplo – demitido Eduardo Cabrita? Não teria pois não? Porque haviam os socialistas de se dar a esse trabalho mesmo tratando-se de pura decência cívica, política, moral?
6 O Presidente da República recebeu os partidos, ritual inscrito na Constituição. O costume. Mas à parte esse – e outros – gestos obrigatórios, como vai forjar-se um destino? No que lhe diz respeito, acreditem os leitores ou não, essa é a única pergunta a fazer hoje ao Presidente da República. Não há outra.
Estou a falar da História.