1Pela primeira vez desde há quase meio século há um quarteto de partidos com representação parlamentar fora do reduto da esquerda socialista e das esquerdas radicais. Ou seja, pela primeira vez desde Abril de 1975 o eleitorado que se situa fora dele tem uma escolha surpreendentemente diferenciada e muito mais aberta. Vai ser possível – e eis o que é em si politicamente interessante – “contar” a direita nas suas diversas moradas e eis um facto político que pode ser interessante.

2Com o atraso do costume (mas em Portugal a Economia nunca foi muito amiga do liberalismo) chegaram ao nosso universo político um bloco de ideias contidas no chamado Liberalismo Económico. Essa máxima liberdade individual de trabalhar, enriquecer, investir, criar riqueza, não é nova, vem de muito atrás bem e foi agora veementemente capturada pela Iniciativa Liberal que fez da (falsa) novidade credo e bandeira. Claro que sua adaptação ao longo do tempo e em vários países levou a alterações que resultaram em muitas variantes, incluindo a que absorve ideias progressistas no campo social, como justamente ocorre com a IL.

João Cotrim de Figueiredo tem uma desenvoltura bem educada, é assertivo, combativo, elegeu a melhor das prioridades, ou melhor, teve a inteligência de eleger o crescimento económico como a prioridade imprescindível sem a qual não tem sequer sentido atender a qualquer outra. O seu partido está a ser visto como uma corrente de ar fresco. Um novo ar. Tem bons quadros, gente nova, com vida própria e independentes do Estado. Mas há alçapões políticos quando alguém se afirma peremptoriamente que “nem de esquerda, nem direita”. A afirmação – e a convicção – são cómodas. Sucede que também são desresponsabilizantes: a uma vai-se buscar o que mais agrada; a outra o que mais convém. Menos indiferente é a ambiguidade que daí resulta. Por exemplo: defendendo a IL como peremptoriamente defende a liberdade de ensinar e aprender, a liberdade de escolha da escola, foi espesso o seu silêncio sobre a inclassificável polémica que opôs os pais de dois alunos de Famalicão à escola que frequentavam por esta lhes impor a obrigatoriedade da frequência da aula de Cidadania. Outro exemplo: a perplexizante atitude de se dispor a IL a entregar de mão beijada ao legislador nomeado pelo Estado a decisão de quem pode morrer – ou não – no caso mais delicado de sempre que é o da eutanásia? A IL remete para o Estado a palavra definitiva, a ultima das ultimas, sobre a morte a pedido?

Faço uma mera reflexão. Mas a IL faz-me por vezes lembrar os Ciudadanos cuja vida acompanhei de perto através da media espanhola por me interessar o fenómeno. Surgiu com forte élan e fulgor no palco político, era uma (boa) “novidade”, seduziu, teve boas votação e melhor aceitação. Intervinha com assertividade, marcava agendas, usava de verbo frontal e decidido. (Ficou inscrito nos anais políticos o memorável discurso de Alberto Rivera – fundador e líder dos Ciudadanos que se afastaria depois definitivamente da liderança e do próprio do partido – contra a independência da Catalunha). Um belo dia porém, começou a haver outras dissidências e mais revezes. Os Ciudadanos escorregavam no seu indefinido chão político, por entre o desnorte e a incongruência. E outro belo dia, a ambiguidade politica e um excesso – mal ponderado – de aproximação ao PSOE fizeram-no quase sumir-se dos radares políticas (6 deputados em Barcelona, nenhum em Madrid). Falar nisto agora, na aurora da IL, pode soar politicamente inverosímil ou deslocado. Não é. Fica o lembrete.

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3O CDS sempre tratado como o parente pobre de tudo, teve finalmente um microfone (ate aí reservado aos ressentidos adversários). Como tal pôde assistir-se, de uma vez por todas, a uma separação de aguas entre os partidos fora da alçada socialista. Claro que ela já existia mas estava encoberta pela activa maledicência do ex-baronato portista que nunca perdoou o que tomou como uma usurpação no último congresso. Sucede que agora, tenha o partido 0,1 % nas sondagens, ou 5 ou 6, separaram-se águas. A clareza incisiva de Francisco Rodrigues dos Santos levou-o a ganhar alguns debates televisivos justamente por ser claro, incisivo e frontal: reverteu o caminho de Cristas; expôs uma orientação clara para o seu partido na boa fundamentação dos valores da direita conservadora; na escolha das prioridades do CDS, na preferência dos parceiros em eventuais futuras coligações; no seu posicionamento muito preciso no puzzle político nacional. Do (inconfundível) lugar político onde está.

Pergunta de um milhão de euros: quanto vale isso num país em declínio e numa Europa decadente? Não sei. Mas se houver conservadores ou democratas cristãos em Portugal que queiram permanecê-lo contra os ventos do tempo, só têm um porto seguro onde se acolher: este.

4O Chega levou o tempo a vociferar. E a correr, agitando-se na pesca de eleitorado: daquele PSD que tem pena de não ser direita porque Rio se autocolocou no centro; do eleitorado mais conservador que se viu desrespeitado por Assunção Cristas; dos ressentidos do sistema; dos abstencionistas, da esquerda comunista. E tutti quanti. Fará isto um eleitorado fixo do Chega?

Retive dois erros fortes: o Chega é exaustivamente, indisfarçavelmente, magramente André Ventura. Vai ser uma surpresa descobrir com meses e meses de atraso, quem serão os seus deputados – sejam lá quantos forem – que se sentarão no hemiciclo de S. Bento. E além disto que não é pouco, André Ventura esvaziou-se a si mesmo nos debates. Elevou o tom de voz, foi agressivo -tão necessária quanto desnecessariamente: foi incapaz do tom adequado a cada adversário. Sobrou um vazio onde planavam temas sem relevância quotidiana – prisão perpétua & afins muito mais que ideias, prioridades ou escolhas. Talvez por Ventura perceber que num partido de protesto, as ideias são o protesto. Nesse sentido, quanto irá medirá ele? Se pesar e medir muito não seria eu que quereria estar na pele do vencedor destas eleições…

5 Notada (e notável) tem sido ausência de senadores na campanha eleitoral.

Um partido não está apenas impresso na actualidade dos dias. Há a sua história, os seus marcos, um passado e a gente que o fez. Onde estão os históricos do PS que não os temos visto? Reservam-se para a 25ª hora? Não parece verosímil.

Onde os “psdistas”, que faziam questão na sua presença junto dos lideres no terreno? Esses cavalheiros que haviam marcado a caminhada do partido e em certos casos a do país pelo bom serviço prestado, no governo ou fora dele, na sociedade civil, na comunidade? É certo que vimos Paulo Rangel e Montenegro, mas… há outros. Ficaram em casa?

E o CDS? Gradas figuras que se citam e audivelmente se afligiram com o percurso do partido no último ano e meio não gostariam de dar uma mão? Não foram convidados? Não descem á campanha porque detestam tanto o seu líder que anseiam pela sua derrota? Porque já abalaram de vez para outra?

6E ainda: António Costa desistiu? Está cansado? Perdeu o pé?

Que quer, ao certo? Que o país se suma da sua vista? Estas e outras tantas perguntas não chegam para explicar tão errática, desnorteada, desinteressante, cansada campanha. E ambígua antes do mais, o pior sinal que um político pode emitir. Se não posso excluir que ainda chegue à meta em primeiro lugar, já liminarmente excluo que o candidato António Costa esteja em condições de servir o país: com ideias claras, prioridades certas, parceiros bem escolhidos. O rumo bem definido (desmentido aliás pelo número de vezes em que nos foi servido um Orçamento já chumbado como “o” futuro Orçamento…).

E finalmente: mantenho o escrito aqui há quinze dias. A coisa mais interessante destas eleições – na qual nunca acreditei de resto – é poder finalmente concluir daqui a dias, se a extraordinária estratégia de Rui Rio ao eleger o “centro” como lugar político, o levará – ou não – à vitória.

PS: Do mundo nem um som, nem um sobressalto na campanha. Outra coisa extraordinária.