Caras e Caros Amigos,
Nos últimos dias, falei-vos das razões porque devemos confiar no futuro de Portugal, do conhecimento e da inovação como as chaves do desenvolvimento, da defesa da integridade do sistema público de pensões, do Serviço Nacional de Saúde e da escola pública, do virar a página da austeridade, relançar a economia, criar emprego digno, de qualidade, com futuro, que considero ser a causa das causas por que nos temos de bater. Quase a concluir, falo-vos hoje de outra questão decisiva que está em jogo nestas eleições, a posição de Portugal na Europa.
Europeísta convicto, é com muita apreensão que olho para os danos que esta crise gerou na unidade europeia, fazendo emergir velhos preconceitos, expressos na visão caricatural como fomos estigmatizando povos, do sul ou do norte, do centro ou do leste. O futuro próximo exige um grande esforço de reconstrução de um sentimento de partilha equitativa de um projeto comum, entre iguais.
O certo é que não podemos desistir de aprofundar e fortalecer o projeto europeu. A regulação dos mercados globais, o combate aos off shores, o fim da concorrência fiscal desleal, os desafios das alterações climáticas e demográficos – em que incluo as migrações -, a segurança comum perante a instabilidade nas fronteiras leste e mediterrânea, tudo exige uma UE forte e unida. A dramática crise dos refugiados é bem o exemplo da UE que nos falha.
Por isso, não podemos virar a página da crise sem irmos à raiz do problema. A sua gravidade não consente disfarces e impõe soluções estruturais, sob pena de continuarmos a alimentar os nacionalismos e radicalismos vários.
Graças à mudança introduzida por Mário Draghi na condução do Banco Central Europeu, foi possível estabilizar a zona euro e corrigir o principal sintoma da crise, a subida descontrolada das taxas de juro que marcou a crise das dívidas soberanas. Depois disso, as bases da união bancária, o lançamento do plano Juncker, a leitura “inteligente e flexível” do tratado orçamental por parte da nova Comissão, têm sido passos no sentido certo, que carecem de maior consistência, mas que marcaram uma inversão de trajetória.
Mas… Não nos iludamos, a questão de fundo está por resolver: as uniões monetárias não aceleram a convergência, antes acentuam as assimetrias, entre as diferentes economias. Ao contrário do que aconteceu em 1992 com a criação do mercado interno, a competitividade acrescida introduzida pelo euro não foi compensada com o reforço da política de coesão, porventura porque o voluntarismo político fez esquecer a sábia lição de Alexander Hamilton, em 1790, sobre a unificação monetária dos EUA, ou, simplesmente, porque se confiou que a redução das taxas de juro de que beneficiariam as economias periféricas permitiriam financiar os investimentos necessários, o que se traduziu num endividamento crescente, agravado, por vezes, por erros na escolha dos investimentos…
Portugal é um exemplo claro. Depois de 15 anos de convergência, com crescimento entre 3,8% e 4,5% do PIB entre 1995 e 2000, Portugal está desde então essencialmente estagnado, alternando anos de crescimento medíocre com anos de recessão, sendo que o melhor dos últimos 15 anos foi 2007 com 2,4% de crescimento do PIB.
Sem orçamento próprio da zona euro, sem reforço da política de coesão, sem mecanismos de prevenção ou estabilização, a zona euro colapsou quando se tornou evidente a insustentabilidade dos processos de divergência económica entre os diferentes estados. Foram, entretanto, dados passos importantes para completar a União Económica e Monetária. Mas, ou reforçamos a convergência, ou estamos condenados a ter a emigração como único “mecanismo de ajustamento , afetando cada vez mais o nosso potencial de crescimento, numa verdadeira “espiral de morte económica” como expressivamente designou Paul Krugman o nosso atual êxodo migratório.
Portugal precisa de um novo impulso para a convergência e o conjunto da UE precisa de maior convergência, pois só assim teremos estabilidade sustentável na zona euro.
Enganam-se, por isso, aqueles que acham que nada devemos fazer senão resignar-nos, assim, como os que acham que a prioridade está em centrar a discussão na dívida. Uns porque ignoram o problema, outros porque confundem causa e consequência.
Ao longo deste ano, foi possível junto da família socialista europeia fazer aprovar um documento – “Novo Impulso à Convergência de Portugal e Espanha” -, que permite uma nova abordagem negocial centrada no financiamento das reformas necessárias para ultrapassarmos os bloqueios estruturais à nossa competitividade: o défice histórico das qualificações; a modernização do Estado; a renovação urbana inteligente e a eficiência energética; a inovação empresarial; o desendividamento das empresas.
É um excelente ponto de partida para uma negociação alargada no quadro das instituições e que contrasta com o insucesso das estratégias alternativas, a submissão ou a confrontação unilateral.
Portugal ganhou sempre que soube ser proativo e estar no centro do aprofundamento do projeto europeu. Claro que isso nos exige um esforço acrescido relativamente aos “grandes”, aos não “periféricos”, aos “ricos”. Mas é mesmo esse esforço que temos de fazer e por isso tenho dito que, neste momento em que se vão travar debates cruciais sobre o futuro da UE, devemos mesmo qualificar o peso governativo dos assuntos europeus, sem obviamente perturbar a orgânica dos serviços e da sua articulação com a rede diplomática.
Há um caminho diferente. Para Portugal, para a UE, para Portugal na Europa. Esse caminho é o de um novo impulso à convergência.
Esta carta vai longa e amanhã irei concluí-la, nas páginas de um outro diário online, o Acção Socialista Digital.
Um afetuoso abraço, do
António Costa
Fontanelas, 30 de agosto de 2015