“Land of the Free and Home of the Brave.” Esta citação do hino norte-americano encarna a imagem idealizada dos EUA, especialmente na percepção europeia.
Nós, os millennials, nascemos e crescemos sob a influência do domínio geopolítico dos EUA, consolidado após duas guerras mundiais que devastaram a Europa. Crescemos com heróis de banda desenhada, músicas inovadoras e filmes épicos, como os da Marvel, que nos faziam acreditar no icónico “Sonho Americano”.
A sociedade americana encantava, naquele tempo, o velho continente com a sua liberdade económica e artística, a sua irreverência e, talvez, por representar um “Novo Mundo” ainda em construção, distante da velha Europa dilacerada. Os Estados Unidos construíram a sua influência através de um poder cultural e mediático sem precedentes, consolidando-se na sociedade europeia como símbolo de inovação e sucesso.
Mas será que esse ideal ainda resiste no imaginário coletivo, ou os tempos mais recentes deram lugar ao início de um “pesadelo americano”? Confesso que grande parte da minha adolescência e juventude foi passada a conceber planos para viver nas terras do “Uncle Sam”. Esta influência norte-americana estendia-se a milhares de jovens por todo o mundo. O ideal de sucesso pessoal e liberdade era demasiado sedutor para uma sociedade europeia mais conservadora e rígida.
No entanto, tudo parece desvanecer quando observamos o embate presidencial entre Donald Trump e Kamala Harris, um reflexo da crescente divisão e polarização da sociedade norte-americana nos últimos anos. Os debates transformaram-se em espetáculos, onde cada lado parece puxar pela sua respectiva claque, em vez de promover uma discussão válida sobre ideias, projetos ou até mesmo valores. As guerras culturais entre liberais e conservadores trouxeram à tona temas fracturantes, como o aborto, a imigração e até mesmo o direito ao porte de armas. Resta entender como isso afetou a imagem da democracia americana no exterior. Segundo Manuel Castells, as redes sociais têm intensificado essa polarização ao fornecer echo chambers ou “câmaras de eco”, que, através do algoritmo, alimentam a visão restrita de cada grupo com a escolha seletiva de conteúdos para cada franja social (Communication Power, 2009).
Zonas como o Bairro da Estrela e Campo de Ourique, em Lisboa, têm-se tornado refúgios para “expats” americanos que buscam abrigo longe da amálgama norte-americana, refletindo uma mudança na forma como as novas gerações, em particular, percepcionam o futuro dos EUA. Atualmente, não se vislumbra um futuro tão glorioso como noutros tempos. Em outros momentos da história, seria pouco provável ver jovens adultos americanos trocarem Los Angeles ou Nova Iorque por Lisboa.
Afinal, por que é que isto acontece? Podemos especular sobre as inúmeras causas, como a inflação galopante desde 2019 e o aumento do preço do imobiliário — um problema que também afeta os jovens americanos —, mas é inegável que algo profundo e perturbador afeta os EUA.
Estes sinais refletem as transformações do país e como o posicionamento dos dois candidatos espelha uma nação cada vez mais dividida. O candidato republicano tem consigo o eleitorado mais pobre, operário, que sofreu as agruras da globalização. Do outro lado, Kamala Harris conta com o apoio das elites, sejam elas intelectuais ou económicas, sobretudo nas indústrias do entretenimento e da tecnologia.
Assim, o “Novo Mundo” que inspirou gerações de jovens europeus surge agora como uma sociedade fragmentada, debatendo-se entre a sua tradição de liberdade e um presente de incerteza.
A imagem idílica da América sofreu um declínio. Resta à Europa atentar a estes sinais e considerar como se encaixar num novo puzzle geopolítico que pode estar a começar a formar-se depois de 5 de novembro. Enquanto a América luta para definir o seu futuro, a Europa tem uma oportunidade única de reavaliar o que considera valores como a liberdade e o sucesso — e talvez, redescobrir o significado de “Sonho Americano”.