1 Novo orçamento?

Nos dias em que se discutem mais de 1000 proposta de alterações orçamentais, não se avizinha nenhuma alteração de fundo em relação às políticas públicas que têm vindo a ser adotadas desde os difíceis tempos da Troika. Na verdade, esta continuidade também ajuda a compreender que o anunciado “apocalipse” em Outubro passado se a proposta orçamental não fosse aprovada era mera quimera pois a gestão por duodécimos apenas assegurou mais uma vez a referida continuidade.

Importa assim recordar a evolução que tem havido em política de despesa corrente no que respeita aos gastos com pessoal e com aquisição de bens e serviços (somados às despesas correntes) em milhões de Euros (preços correntes) e respetivas taxas de variação em relação a 2014 (segundo os dados disponibilizados pela DGO, ótica da contabilidade pública, nas suas sínteses orçamentais, através do seu site):

Isto embora a inflação acumulada seja de cerca de 5%. De acordo com as propostas conhecidas, o orçamento a aprovar para 2022 irá manter as tendências verificadas  nos últimos anos.

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2 Aposta na eficiência pela digitalização ou na sobreposição de custos?

Uma da evoluções  prosseguidas de forma mais sustentável na última década consiste na digitalização das relações da Administração com a sociedade, podendo citarem-se sucessos paradigmáticos desde a contratação pública electrónica à informatização da Autoridade Tributária e ao acesso online aos principais serviços.

Ora, a digitalização e a webização apresentam vantagens bens conhecidas para os utilizadores evitando deslocações, filas de espera e restrições de horários mas também geram economias muito consideráveis nas empresas que as adotam tal como ocorreu nas pioneiras aplicações das companhias aéreas ou nos atuais market places que todos usamos. Todavia, no nosso Estado, o crescimento de 25% em sete anos das verbas de aquisição de bens e serviços e de despesas correntes, onde não se incluem os bens de capital, evidencia bem a ausência de tais economias pelo que parece poder concluir-se que em vez de se modernizar por substituição de processos, se prefere sobrepor camadas de processos evitando qualquer poupança.

3 Aposta no emprego público

Os Estados europeus com maior crescimento do PIB e do rendimento médio dos trabalhadores são, como a Irlanda, aqueles em que se limitam os impostos com a adoção de políticas de fomento do emprego privado e da sua valorização mas Portugal preferiu apostar no emprego público tal como se confirma pelo acréscimo de 35% da sua fatura em apenas 7 anos (!). O ciclo vicioso que assim se gera é bem conhecido pois maior despesa em emprego público implica maior carga fiscal e esta reduz o emprego privado, a sua valorização e, consequentemente, o rendimento médio dos trabalhadores.Na verdade, as políticas apostando no emprego público podem ser defendidas em contextos de grande crise nacional e colapso do setor privado para combater elevado desemprego os quais não ocorreram ou em regiões desertificadas mas, pelo contrário, o nosso crescimento do emprego público concentrou-se nas grandes áreas metropolitanas evitando as regiões desertificadas!

Note-se ainda que o emprego público é muito vulnerável à subida da inflação pois os correspondentes salários não a conseguem acompanhar enquanto que as políticas de emprego privado são mais robustas porquanto as vendas das empresas também vêm inflacionadas o que facilitará a correção salarial se se adotarem os estímulos apropriados.

Ora, infelizmente, tudo indica que Portugal irá viver 2022 e 2023 com inflação bem acima dos 5% pelo que será pesada a fatura a pagar em virtude da política de emprego adotada reduzindo os já baixos valores reais do salário mínimo e médio, aproximando-nos, progressivamente da cauda da Europa. Ora o que é mais grave é que a inflação não atinge igualmente todos os cidadãos pois incide mais nos jovens e naqueles que mais despendem o seu rendimento em bens essenciais pelo que o ano de 2022, apesar das mil e e umas alterações propostas, irá contribuir para o empobrecimento de muitos trabalhadores portugueses agora também sujeitos ao crescimento das taxas de juro.