Fomos de férias, visitámos os locais que toda a gente visita, passando sempre pelas atividades óbvias: ver animais em vários locais espalhados pelo país; ir a museus; passar tardes inteiras na praia; acabar a comer uma bela mista de peixes grelhados e no fim passear à beira-rio ou mar, numa das tantas cidades deste país. O problema de reconhecermos um problema é que depois dificilmente deixamos de o ver e facilmente passamos a vê-lo, em destaque, em todo o lado. Infelizmente já cruzei essa linha no que diz respeito à presença de amianto em materiais e fica difícil fechar os olhos a todos os alertas visuais que me chegam. Nestas férias tivemos o amianto por companhia.

Às vezes é muito óbvio, está na cobertura ou no telheiro, olhamos para cima e vemos logo ali as telhas de fibrocimento a deteriorar-se aos nossos olhos. Podem estar mais disfarçadas, pintadas cor-de-telha por cima, ou mais reconhecíveis, com aquele cinzento entrecortado pelo verde e amarelo dos organismos vivos que se vão instalando nas chapas antigas. Noutras vezes, está um pouco mais disfarçado, olhamos para um teto falso de um restaurante e sabemos que pode estar ali, mesmo que não tenhamos a certeza, há essa possibilidade desconfortável, que instala uma dúvida que não sai e nos obriga a procurar uma lista de edifícios construídos após 2005[1] para tomar refeições, pernoitar e visitar.

Pode estar de facto em todo o lado, quem sabe num equipamento antigo que vemos num museu, ou na cobertura do parque de estacionamento de um centro de atividades, ou de um parque de acesso público na cidade. Não existem quaisquer avisos à porta dos estabelecimentos, muitas vezes os responsáveis e trabalhadores desconhecem a existência do material ou do seu perigo, e vão-se habituando à paisagem cinzenta sem a contrariar ou a importunar.

Neste verão visitámos um museu onde se exibia um motor de um avião da II Guerra Mundial, à vista, para que toda a gente pudesse ver esse engenho, desconhecendo absolutamente que ali estava amianto friável, sem qualquer tipo de proteção ou aviso, num pavilhão ocasionalmente aberto. Estes motores utilizavam tecidos ou cordões em amianto, cuja função era exatamente evitar a combustão desse material. Quando notificados, confessaram que desconheciam o facto e o perigo também.

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Esta falsa sensação de que o amianto já não é um problema trai-nos a todos. É preciso esclarecer, urgentemente, que o amianto não foi proibido no Decreto-Lei n.º 101/2005, de 23 de Junho que transpunha a diretiva europeia, este decreto proíbe sim, a incorporação de amianto em materiais, bem como a sua colocação no mercado. Ou seja, isto significa que o facto de existirem inúmeros materiais contendo amianto nos produtos com os quais já contactamos ou os edifícios onde vivemos, trabalhamos ou estamos em lazer, não constitui em si uma ilegalidade. É legal convivermos com materiais que contenham amianto (MCA) na sua constituição, desde que não tenham sido produzidos e/ou comercializados após o referido decreto, de 2005. E sobre a transação, é preciso referir que a lei é omissa na transação de imóveis que contenham amianto na sua constituição, sem que nada obrigue a uma prévia vistoria ou certificado que identifique a sua presença ou perigosidade.

Tantos produtos e equipamentos que continham amianto na sua constituição não tiveram qualquer campanha de recolha anunciada, continuando na casa das pessoas as torradeiras, secadores ou pegas antigos. Toda a gente continuou descansadamente a conviver com este material enquanto inspirava e expirava de alívio por ter sido proibido.

A legislação obriga sim, à inventariação de MCA em edifícios, instalações e equipamentos públicos[2] e em empresas[3], deixando de fora os particulares e demais situações que não se enquadrem nos primeiros. Também obriga ao exercício de diagnóstico de MCA antes da execução de uma obra (pública ou particular), algo que frequentemente os empreiteiros e os donos de obra negligenciam, sobretudo por desconhecimento.

Deparamo-nos assim, com um cenário desolador e desanimador perante um problema que não só está longe de ser resolvido como parece longe de ser entendido. E vamos ficando neste andamento, sempre com o amianto por companhia não percebendo que os seus efeitos nocivos não se podem retroceder, nem ignorar ou recuperar. O amianto mata. E não tira férias. É melhor que possamos nós aprender a reconhecê-lo e afastá-lo, antes que seja tarde demais.

[1]    Data da proibição da incorporação de materiais contendo amianto em Portugal
[2]    Lei n.º 2/2011. de 9 de fevereiro
[3]    Lei n.º 63/2018, de 10 de outubro