Apesar de ter sido proibido a partir de 2005, na sua produção e comercialização, ainda existe einfelizmente não desapareceu por decreto. Parece um problema que ficou no passado mas esse passado só tem 16 anos. Quando me perguntam se é possível que já tenham sido expostos ao amianto questiono se alguma vez estiveram num edifício anterior a 2005. De facto, tendo sido utilizado em mais de 3500 produtos, muitos deles na área da construção, será inevitável a sua presença em muitos dos nossos edifícios. Convive connosco e continua a libertar-se em inúmeras obras de reabilitação.

A existência de amianto em Portugal continua a ser um tema preocupante e que se teima não ser visto, não se fazer notar. O otimismo do Estado relativamente a algumas ações de remoção que empreendeu e a pouca relevância que dá ao problema em si deixa nas pessoas uma falsa sensação de segurança e escamoteia a real perigosidade do problema. Continuam a existir más práticas de remoção, deposição ilegal de resíduos em matas ou mistura de Resíduos de Construção e Demolição (RCD) com Resíduos de Construção e Demolição com Amianto (RCDA), que chegam a ser tratados como inertes.

A lista existente de ocorrências de Materiais Contendo Amianto (MCA) em edifícios públicos, atualizada este ano, não indica quais as entidades que realizaram a inventariação, nem exatamente quais foram os materiais inventariados ou se alguns foram deixados de fora. Enquanto não tivermos um levantamento transparente e rigoroso dos materiais contendo amianto estaremos muito longe da meta Europeia de retirar todo o amianto até 2032 e continuaremos a expor-nos voluntária e involuntariamente a este material cancerígeno.

Continua a ser possível levar a cabo uma obra de reabilitação sem licenciamento, passando assim (mais ainda) à margem das regras e fiscalização das autarquias e cometendo muitas vezes atrocidades arquitetónicas que atingem a escala do crime no que toca ao amianto. Pelo próprio exemplo de atuação do Estado, a esmagadora maioria das pessoas não considera o amianto como o problema real que é, no seu nível de toxicidade e mortalidade. Os utilizadores e trabalhadores, por desconhecimento ou negligência, expõem-se a MCA durante uma obra de reabilitação sem perceber o risco que correm e a que expõem outros. MCA são assim partidos, triturados, arrancados, libertando fibras que podem e serão seguramente inaladas por todos os que visitam aquela obra ou que vivem naquele espaço depois dela. Continuam ainda a contaminar todos os agentes que intervêm no seu processo de gestão de resíduos até ao seu destino final. Outros exemplos há que encapsulam estes materiais em obra construindo pavimentos saudáveis sobre pavimentos com MCA que numa posterior reabilitação são descobertos por uma nova equipa que, por desconhecimento, nada pode fazer para se proteger, senão depois de os reconhecer (assumindo que os reconhece).

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Ainda sobre esta meta europeia, é necessário perceber que o nosso edificado tem inúmeras ocorrências de MCA e não apenas o mais (re)conhecido fibrocimento mas também outras formas de amianto muitas vezes mais perigosas (como por exemplo o amianto friável, ou seja que se desfaz, sendo mais provável a sua inalação). Ainda que exista legislação sobre a monitorização e remoção de MCA relativa às empresas (Lei n.º 63/2018), não existe legislação para os privados/particulares sendo crucial que se comece a englobá-los nas obrigações legais deste tema. Por exemplo, a Portaria n.º 40/2014, refere no artigo 4º a obrigatoriedade de inventariação dos MCA antes de dar início a uma obra. Este ponto raramente é cumprido. Apenas o fibrocimento é eventualmente detetado, deixando outros materiais mais perigosos de fora. A referência “em caso de dúvida”, no texto do artigo, é equívoca e faz com que seja mais fácil contornar a lei.

Os arquitetos são, por isso, uma classe profissional muito exposta ao amianto. Na área da reabilitação este é o agente de mediação entre o dono de obra e o empreiteiro e nas várias fases de acompanhamento e execução do projeto está exposto, muitas vezes, inadvertidamente. O problema das obras sem licenciamento, que acontece em muitas situações de reabilitação, é que estas são feitas sem passar por qualquer entidade reguladora. Num setor onde a falta de formação é gritante, este sistema alimenta erros que se perpetuam e nos expõem a todos. A inoperância do Estado, que se comporta como parte não informada neste processo, pode ser letal promovendo estas ocorrências ao não legislar com clareza.

Enquanto não se levar com seriedade o exercício do levantamento obrigando públicos e privados a detetar e inventariar todos os MCA em edifícios, equipamentos, instalações e terrenos estaremos a anos-luz de erradicar o amianto em Portugal. Não poderemos nunca ter um plano para estas remoções se não tivermos uma lista com base num exercício de levantamento de MCA por empresas e laboratórios acreditados para o efeito. A melhor forma de dar esse passo será promover as boas práticas através do exemplo do Estado: i) publicando a lista de laboratórios que realizaram a inventariação da lista de edifícios públicos com MCA, em cumprimento da Lei n.º 2/2011; e ii) conciliando com as empresas privadas a resposta à Lei n.º 63/2018, ou seja, a inventariação do amianto existente no seu edificado, disponibilizando ainda os apoios financeiros nela publicados para remoção dos MCA.

A legislação deve ainda obrigar à acreditação ou certificação das empresas de remoção de amianto para que se eliminem ou minimizem os erros que se fazem por falta de formação e de fiscalização, de empresas que retiram fibrocimento com métodos que não evitam a dispersão e o encaminham para matas ou os abandonam em via pública como continua a acontecer. Portugal foi dos últimos países europeus a aderir à proibição do amianto (Decreto-Lei n.º 101/2005 que transpõe a Diretiva n.º 1999/77/CE) e parece ser o último a ter um plano sobre a sua erradicação. Quando se pensa que o amianto é um problema do passado, como se a sua proibição nos tivesse salvo a todos, ficam esquecidas as toneladas de amianto produzido e incorporado em milhares de produtos e que por aí continuam silenciosamente a viver entre nós.