O que seria do mundo se déssemos ouvidos a tudo o que se diz? Talvez andemos a ouvir demais. A facilidade com que se fala, com que se escreve, se produzem afirmações, com que se dão por certos raciocínios perfeitamente aleatórios, sem um mínimo de discernimento e menos ainda de base científica ou simplesmente assente na experiência de vida ou no conhecimento, estão a transportar-nos para uma amálgama de certezas e afirmações que a única coisa que fazem é confundir os espíritos, dar corpo e palco às inverdades ou até às mentiras que grassam nas redes sociais.
Ouvi, atónito, parte da entrevista que José Rodrigues dos Santos deu à Rádio Observador a propósito do seu último romance, que eu não sei sequer o título, nem tenho já curiosidade de saber e menos ainda vontade de o vir a ler.
Considerava eu que José Rodrigues dos Santos tinha um condão, e tem, o condão da escrita. Autor de vários romances, a maioria deles best-sellers, este último parece, contudo, ser uma revelação de uma eventual perturbação que o terá invadido de forma que ele próprio considera surpreendente.
Os animais são seres sencientes, é um facto. Mas há uma diferença entre ser senciente e ser consciente. Aprendemos em pequenos que o que nos diferencia dos restantes animais é que nós, humanos, somos racionais e os restantes são animais irracionais. Faz toda a diferença.
Uma prova simples é perguntar se alguém consegue obter uma resposta a uma pergunta que dirija a um qualquer animal. É diferente obter uma resposta a obter uma reacção. Se eu perguntar ao meu cão, de forma empolgada ”…onde está a bola?”, ele sai a correr a procurar uma bola, não porque me esteja a dar uma resposta mas porque associou este som “onde está a bola?” a ir procurar a bola, tal como foi ensinado, isto é, um reflexo condicionado, como Pavlov demonstrou cientificamente. Não foi consciência nem raciocínio, foi instinto.
Nós, os humanos, temos uma enorme responsabilidade perante o mundo animal que não pode ser reduzida a atribuirmos-lhes direitos, o que temos são deveres. Somos responsáveis e temos o dever de os manter e cuidar, mas também de explorar os animais que povoam a Terra, para que possamos, através de uma exploração equilibrada e dentro de parâmetros de ética, onde cabe, por exemplo, o bem-estar animal, sermos consumidores daqueles que adaptámos e dedicamos à exploração pecuária.
O homem antes de dominar os animais colhia-os, caçando, até que, pelo crescimento demográfico e fixação das populações, transformou alguns naquilo que hoje chamamos de animais domésticos.
Comparar os campos de concentração ou de extermínio, como foi o de Auschwitz, a matadouros, onde os animais são abatidos e preparados para consumo, é um exercício sem qualquer sentido, porque campos de concentração ou de extermínio tinham (ou têm ainda) dois objectivos: (1) provocar o sofrimento e privação de liberdade e, (2) provocar a morte para levar ao desaparecimento. É a parte negativa da consciência, mas isso é outra conversa.
Um matadouro não é um local de provocar sofrimento, é sim um local de sacrifício – o abate – e preparação para o consumo. Não é um local para provocar sofrimento e menos ainda o extermínio de qualquer espécie. Nos campos de concentração e de extermínio entravam (entram) pessoas, nos matadouros entram animais, sencientes sim, mas não conscientes e menos ainda racionais. Comparar uma coisa com outra porque em ambas há uma palavra que lhes é comum – a morte – é o mesmo que comparar os lares de idosos ao canil municipal. Cuidado com as palavras. Respeitemos as pessoas.
Façamos um esforço e não percamos a racionalidade e o bom senso. Parece que entrámos numa era em que as pessoas se vangloriam por serem demagogas, uma era perigosa. A demagogia invadiu-nos sobre diferentes formas. Esperemos que um dia a história nos consiga explicar porque razão sociológica estará o Homem a querer diminuir-se a si próprio e regredir civilizacionalmente? Está a querer recusar a sua condição de ser superior, no reino animal, e menos ainda a procurar puxar pela inteligência para corrigir os erros que todos os dias, em todas as actividades, cometemos. Uma coisa é reconhecer os erros e procurar emendá-los, outra é considerar que esses erros são a prova de uma diminuição de consciência que nos leve a desistir de sermos o que somos, ou até de viver. Viver sem consumir carne é uma ilusão, é viver sem saúde e seria o início de um processo de artificialização da vida. Já pouco falta para ouvirmos quem defenda que nos devemos suicidar e exterminar a humanidade para “salvar” o planeta.
Atribuir à agricultura a responsabilidade das alterações climáticas é mais um exercício de masoquismo, ou de loucura. Pior, é mentir deliberadamente para vingar o “pensamento” do momento. Para que conste, os dados oficiais referem que a agricultura contribui com cerca de 10% da emissão de gases com efeitos de estufa, que estão, parcialmente, na origem das alterações climáticas. Desses 10%, a pecuária, em particular os bovinos (as vacas) são responsáveis por cerca de 80%, ou seja 8% do total. Estamos a falar de um valor quase ridículo se comparado com os restantes 90% de libertação desses gases com origem na vida urbana e industrial, como a produção de energia, os transportes e as indústrias. Ou seja, no conjunto das fontes contributivas para as alterações climáticas, a agricultura é a menor responsável, com a enorme vantagem de ser ainda a única actividade que, em simultâneo, retira da atmosfera e fixa parte do Dióxido de Carbono oriundo do conjunto de todas as actividades. Fixa nas florestas, no solo e nas pastagens, as mesmas onde pastam as vacas, podendo mesmo haver um saldo positivo a favor da pecuária, quando extensiva, no campo, ao ar livre. Ou seja, é o sector primário associado à agricultura, silvicultura e pecuária, o que menos contribui para o aquecimento global e emissão de gases com efeitos de estufa. Esta é a verdade.
Além da demagogia e da ignorância, entrámos na era da mentira assumida e da falta de vergonha. O facto de se repetirem as mentiras nunca as transformarão em verdades.
A irracionalidade animalista chegou aos iluminados (pelas luzes do estúdio, não pela inteligência). É tempo de discernir sobre o que se diz. Nem tudo merece ser ouvido.