Com início oficial a vinte e oito de fevereiro de mil novecentos e quatro, a história do Sport Lisboa Benfica é, quiçá, a mais bonita epopeia do século XX português. O clube do povo, inclusivo, que acolhia membros de toda a sociedade, independentemente do estatuto social, personificava uma ambição desmedida e confiança absoluta que culminará numa brilhante década de 60 com a dupla conquista da Taça dos Clubes dos Campeões Europeus, diante dos colossos Barcelona e Real Madrid. O Benfica, que nos seus primeiros 50 anos de existência nunca teve estádio próprio, que sempre foi um porta estandarte de democracia no autoritário regime do Estado Novo, era visto internacionalmente como um fenómeno lendário que não conhecia erosão, pela constante renovação do seu ideal sincero e puro, representado por intérpretes de excelência desportiva, profissional e pessoal em todos os ramos do clube.

Hoje, esse clube não existe. É uma miragem de um passado cada vez mais longínquo, que nem sequer o vermelho da camisola consegue disfarçar. O Benfica de ambição, respeito, transparência, idoneidade e exigência, deu lugar a um Benfica de corrupção, negócios obscuros e total condescendência com a mediocridade. O Benfica de Cosme Damião, Borges Coutinho, Simões, Águas, Coluna, Toni. O Benfica de Eusébio. Esse Benfica deu lugar a um Benfica vazio, que em momento algum serve como uma extensão em campo dos milhares de adeptos que ainda o seguem pelos estádios e pavilhões.

Este Benfica não teve vergonha em ir resgatar um treinador ao Brasil, após uma série de declarações insultuosas para com o clube, proferidas aquando da sua passagem por um clube rival. Este Benfica é hoje representado por uma série de patéticos atletas e dirigentes que deviam sentir a máxima vergonha ao ostentarem o emblema do mais bonito e mais popular clube português. Estes, foram totalmente coniventes para com o maior responsável pela total destruição dos valores fundamentais do Sport Lisboa e Benfica, Luís Filipe Vieira. E quão triste foi vê-lo, a passear qual Dom Sebastião durante a final da Taça da Liga perdida para o Sporting, num acto de total gozo para com os adeptos de um clube que não é o seu.

Luís Filipe Vieira destruiu o Benfica. Usou o clube para seu total benefício e, desenvergonhadamente, colocou os seus interesses pessoais à frente dos da centenária instituição a que se propôs a presidir. Apresentou-se durante anos como um rei sol, construindo à sua volta uma imagem de imperador em tudo semelhante a um regime autocrático de total devoção a um grande líder e, não fosse uma série de problemas judiciais, poderia perfeitamente estar ainda à frente do clube. Luís Filipe Vieira roubou o Benfica usando dinheiro do clube (proveniente de transferências de jogadores e não só) para saldar dívidas pessoais, hipotecando totalmente o sucesso desportivo numa época essencial como a que foi a de 17/18, que poderia ter resultado num prestigiante penta-campeonato. Luís Filipe Vieira apareceu em pleno Estádio Municipal de Leiria para assistir a a um jogo que, no máximo, lhe devia ser transmitido por uma televisão de cela. Pior, ainda houve adeptos que acharam apropriado tirar fotografias com alguém que, sabe-se, roubou o clube.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Rui Costa, o actual presidente, esconde-se atrás do seu brilhante passado enquanto futebolista, refugiando-se constantemente numas lágrimas durante um jogo amigável em 1996, para disfarçar a sua cumplicidade para com a descaracterização que arruína o Benfica. Rui Costa nunca se demarcou do passado com Luís Filipe Vieira e apresenta-se completamente alienado da realidade do clube ao dar uma conferência de imprensa com foco em casos de arbitragem, após mais uma ridícula derrota em casa, contra o Gil Vicente. Não se percebe, no entanto, o espanto de Rui Costa quando, na antevisão ao jogo, na BTV, qual locomotiva de propaganda, se ouvia um comentador dizer, ipsis verbis, “Não será um escândalo se o Benfica não conseguir vencer, porque, pela frente, tem de facto uma equipa com um futebol muito positivo”. E se é verdade que algumas das críticas de Rui Costa às decisões de arbitragem têm fundamento, o facto de o actual presidente do clube achar que o problema reside no apito revela algo muito mais grave. Revela que Rui Costa não consegue ver a enorme crise de identidade em que o Benfica mergulhou, muito por sua culpa e conivência.

Noronha Lopes foi um raio de Sol em anos de vieirismo, oferecendo aos sócios a possibilidade de um presidente íntegro, competente e benfiquista, tendo o seu ímpeto sido travado por um processo eleitoral marcado por irregularidades dignas de terceiro mundo. Jorge Mattamouros contribuiu de forma essencial para que, finalmente, ficasse verdadeiramente claro tudo aquilo que Vieira fez durante os seus mandatos como presidente. O Movimento Servir o Benfica continua a lembrar-nos que o Benfica foi fundado em mil novecentos e quatro e não em 2003, numa altura em que “nem as pedras da calçada eram nossas”. Mas não chega. Tudo isto junto não mais foi que um ligeiro abanão num império montado durante anos, que leva ao desespero da extraordinária massa associativa que acompanha a equipa onde quer que ela vá. A Rui Costa, enquanto actual presidente, peço encarecidamente para pôr a mão na consciência e perceber a mediocridade que está a perpetuar no clube que diz amar.

Bogalho dizia “Respeitem, sempre, o dinheiro do Clube. É dinheiro de gente simples e humilde. É dinheiro do esforço de gente pobre que dá, porque gosta muito do Benfica. Sirvam-no. Não se sirvam dele”. Mário Wilson dizia “Por muitos desgostos que possamos ter, valores mais altos se levantam. E o valor mais alto que se levanta chama-se Benfica”. Urge recuperar um Benfica de acordo com os seus valores de fundação, que possa cumprir a sua responsabilidade de maior instituição portuguesa e sirva como exemplo de forma de estar no desporto e na sociedade.