A chamada “bazuca” é claramente uma oportunidade de investimento que o país possui para ganhar competitividade através da aposta em setores inovadores, quer na esfera pública quer na privada.

O Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) constitui uma base de pensamento bastante interessante e atualizada e tem, reconheça-se, o mérito de enquadrar temas absolutamente atuais e inovadores, colocando a sua discussão na ordem do dia. Entendo que mais vale discutir um disparate do que não pensar coisa nenhuma, mas também entendo que mais vale fazer pouco e bem do que dizer que se resolve tudo, sem se fazer coisa nenhuma.

A verdade é que o PRR, à semelhança de tantos outros planos, incorre no mesmo erro. Sejamos claros: os insucessos não se têm verificado por falta de dinheiro – Bruxelas até tem distribuído com abundância -, mas sim pela ausência de conhecimento do país real e da forma como a administração funciona e está organizada.

Um exemplo: de que vale propor polos de inovação tecnológica, centros de Big Data, super-infraestruturas e equipamentos, uma nova política de habitação, se o país não estiver preparado para responder, em tempo útil, a esses desafios? Alguém já pensou se os 308 Planos Diretores Municipais (PDM) têm capacidade urbanística para receber esses projetos? Não tendo, quanto tempo demora a alterar um PDM para poder alojar qualquer um desses investimentos, mesmo sendo considerados estratégicos? A resposta é: vários anos.

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Isto significa apenas, e tão só, que, infelizmente, Portugal continua com uma arquitetura e uma organização do Estado absolutamente obsoletas que impedem a concretização de uma estratégia de desenvolvimento e de crescimento. Lamentavelmente, já passaram diversos governos, de famílias e configurações políticas distintas, mas o que é certo é que se têm perdido sucessivamente oportunidades para realizar reformas que verdadeiramente organizem o nosso país. Antes de implementarmos medidas e os tais projetos pomposamente denominados “4.0”, temos de ter uma organização, isso sim, 4.0. Temos de ter um Estado que estimule e facilite o crescimento das empresas e responda com eficácia às oportunidades de investimento existentes.

Todos conhecemos inúmeros casos de empresários que desesperam por respostas da administração central para poderem concretizar os seus investimentos ou de autarcas que aguardam anos para poderem implementar projetos importantes para os seus municípios. Só no Algarve, estamos a falar de quase 1,5 mil milhões de euros de investimento privado. E também só no Algarve, a vigência média do PDM de cada município é de 25 anos, quando a Lei prevê que a sua duração seja de 10. Quer isto dizer, que os municípios, hoje, fazem a sua gestão com base numa estratégia definida há mais de 25 anos.

Em resumo, o PRR traz um conjunto de ideias atualizadas e modernas, mas falha na ausência de medidas organizacionais, concretas, capazes de assegurar a sua concretização.

Mais uma utopia a somar às muitas que já vivemos?