1 O debate

Recentemente,  no âmbito da recente Cimeira Social, voltou a surgir a proposta de desrespeitar as patentes relativas às vacinas contra o vírus causador da  COVID-19 com base na ideia tentadora de assim permitir a sua disseminação pelos mais pobres, mas é fácil demonstrar que se trata de equívoco pois iria prejudicar o desenvolvimento e as condições de Saúde, designadamente dos menos afortunados.

2 Porquê patentes?

O desenvolvimento das economias, muito especialmente desde os anos cinquenta, baseia-se principalmente na inovação, a qual se exprime por diversos indicadores, dos quais o número anual de patentes por mil habitantes residentes é talvez o mais importante, porque nas economias de inovação o principal fator de produção é o conhecimento registado e protegido sob a forma de patentes as quais resultam do investimento e do risco corrido pelos empreendedores. Ou seja, assim como nas economias agrárias se devia proteger o direito à propriedade agrícola e nas indústrias da revolução industrial se protegia a posse da fábrica, agora há que proteger e garantir a posse do novo e principal fator de produção: o conhecimento inovador registado sob a forma de patente.

É verdade que o modelo de sociedade inspirado no marxismo-leninismo também respeitava o direito de propriedade em relação aos meios de produção, mas atribuía a sua posse ao Estado e historicamente confirma-se que o Estado não tem boa reputação como empreendedor inovador, tal como ficou patente nos desastrosos resultados obtidos pelas economias da Europa oriental e da União Soviética no que respeita a inovação, durante longas décadas.

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Ou seja, o moderno modelo de desenvolvimento, em especial no contexto da Economia Digital, baseia-se no empreendedor inovador privado, mesmo quando apoiado pelo Estado, o qual só é acolhido e potenciado se se respeitarem as suas patentes.

3 Porquê não patentes?

O desrespeito pela propriedade intelectual , fruto da assunção do risco e do investimento, traduz-se no não registo de patentes pelo que importa analisar quais a suas consequências económicas. Ora, na União Europeia, os Estados com rendimento médio familiar anual (2017) superior a 25k euros (PORDATA) apresentam número médio de anual de patentes por 100 mil habitantes (2008-2014) igual a 25 enquanto que aqueles que têm rendimentos menores apresentam média muito inferior tal como é o caso de Portugal com apenas 5, o qual é mínimo na UE (Maradana, R.P., Pradhan, R.P., Dash, S. et al. Does innovation promote economic growth? Evidence from European countries J Innov Entrep 61).

Também é interessante observar que a tese de que só as grandes economias podem ser inovadoras não é verdadeira tal como se confirma pelos dados seguintes relativos ao número anual de patentes por 100 mil habitantes (2008-2017) – Áustria 27 ; Dinamarca 28 ; Finlândia 32 ; Irlanda 14 ; Países Baixos 15 ; Suécia 35 –, enquanto Portugal e a Roménia se situam nos mínimos (5 ou 6), sendo de assinalar que a própria Irlanda apresenta nível quase triplo do de Portugal!

Ou seja, ao inviabilizar a economia da inovação não estaremos a prejudicar as condições de vida futuras, designadamente dos mais desfavorecidos? É bem evidente que sim.

Note-se ainda que se protegermos as patentes no digital mas não nas vacinas tal como parece ser sugerido, o efeito imediato será o desviar do investimento, em especial sob a forma de venture capital, para esse setor em detrimento da Saúde o que significará não beneficiar as condições de Saúde de todos, ricos e pobres. Será esse objetivo válido e compatível com o novo Compromisso Social da EU? Também é bem evidente que não.

4 E o interesse público?

Em relação a bens semi-públicos, tal como é o caso de vacina desenvolvida por privados, pode sempre questionar-se se o interesse público não pode justificar a sua “ estatização” para o oferecer a todos de forma mais magnânima mas no caso das vacinas contra o COVID-19 nada sustenta tal justificação, pois não existe situação de monopólio, o mercado com múltiplos produtores está a garantir impressionantes níveis de abundância e os preços estão alinhados com os custos de produção. Infelizmente, o bom funcionamento dos mercados não significa que a sua distribuição esteja a contemplar os países mais pobres, aliás à semelhança do que acontece com muitos outros medicamentos e cuidados de saúde, mas a compensação de tais assimetrias só será possível se os privados e o Estados mais abonados  se disponibilizarem a custear e a financiar os restantes. Ora, no que respeita a solidariedade, alguns dos piores exemplos correspondem a Estados que adotam políticas nacionalistas e geocêntricas pelo que se se apoderassem dos direitos da propriedade intelectual das vacinas, seria de prever ainda menos solidariedade!

Em suma, se os Estados quiserem ser mais solidários, em vez de inviabilizar o desenvolvimento e o progresso na Saúde, há sim, que custear a compra das vacinas para os mais pobres , mesmo com significativo  custo de oportunidade para os seus cidadãos em vez de se querem apoderar de patentes em Saúde pois tal apropriação apenas iria reduzir  o investimento neste setor tão essencial a cada um de nós, rico ou pobre.