O melhor de uma casa está na sua localização. O melhor do Novo Aeroporto de Lisboa (NAL) estará no acerto da sua localização. Por muito competente que sejam as justificações, os sistemas ou a arquitetura do novo aeroporto, se ficar no sítio errado, será infeliz para a vida. Por esmerada que seja a sua reabilitação, melhorar a Portela, não irá mais longe. O desenho no território consagrou o termo genius loci para o acerto com o espírito do local, encontrá-lo no NAL será a sua maior fortuna. Se o desenho é sensível ao campo visual, o espaço de intervenção de que se fala é magnífico.
O melhor de Portugal está nele todo, cada sítio com a sua natureza e vocação. A beleza e valorização dos lugares depende mais da geografia física e humana do que da animação dos fóruns e ateneus. Chamaram Lisboa ao lugar mais propício para chegar e partir, estuário do maior rio da península onde o horizonte se espraia antes de desaguar no mar. Tão central quanto sensivelmente a meio do país atlântico e mediterrânico que somos.
O melhor de Lisboa está na sua Área Metropolitana (AML) e no meio dela o rio Tejo. O centro já esteve na Baixa, subiu ao Marquês, dispersou-se para Norte, agora recentrou-se na água e tem um nome, estuário. À sua volta tem progredido uma esplendida recuperação das frentes de ribeirinhas. Onde antes existiam barreiras portuárias inacessíveis, industriosas ou abandonadas, vemos agora prazenteiros lugares de trabalho, passeio e encontro. Não com horizontes sem fim, para isso temos as praias, mas encontros com a outra margem, ampla, próxima e amiga. Margens cada vez mais autónomas, parceiras do Terreiro do Paço, solidárias entre si, cientes da centralidade do Tejo.
Não é fácil reunir num raio de 30 km um tão vasto conjunto de beleza e diversidade, da Lezíria à Caparica, de Sintra a Setúbal, … da Cruz Quebrada a Palmela. Visto do ar, ao pé desta largueza o Sena e Tamisa parecem riachos e monótonas as suas margens.
A primeira ponte sobre o Tejo (25 Abril) ligou as zonas privilegiadas de uma e outra bandai, a parte ocidental de Lisboa (Alcântara, Ajuda, linha do Estoril…) ao concelho de Almada, o mais urbano ou balnear e menos industrial da margem Sul. Décadas mais tarde, a segunda ponte sobre o Tejo (Vasco da Gama) ligou as partes mais desfavorecidas que então havia. De Alcochete demorava-se mais de duas horas a chegar ao centro de Lisboa e o Prior Velho abarrotava de barracas e barracões. Ao ser construída a segunda ponte traçou um círculo, a possibilidade de andar à volta do centro. Isto representou um enorme salto na coesão territorial em toda a região, um maior equilíbrio entre o poente e nascente da capital, entre o Norte e o Sul, entre a margem esquerda e a direita, ai de uns sem os outros. Em vez de lateral ou periférico, o estuário do Tejo voltou a central na região, tudo ganhou mais sentido, o Tejo reencontrou-se com o seu papel central, renovador e apaziguador.
Entretanto, passado uns anos e quiçá inesperadamente, uma nova ligação favoreceu tão subtil quanto eficazmente a inserção da AML no país e vice-versa. Refiro-me à simpática A13, a auto estrada discreta que liga Santarém à Marateca. Porquê simpática? – Porque permite às boas almas do restante país (70%) circular entre o Norte e o Sul sem passar cartão à capital. Por outras palavras, evita perder tempo e dinheiro a passar por Lisboa quem circular do Porto a Portimão ou peregrinar de Fátima a Olhão (um gesto, de resto, ainda sem paralelo na rede ferroviária nacional, levando os desventurados passageiros e as oneradas mercadorias a ter de arcar com inomináveis demoras nas viagens norte sul). Assim sendo, a nossa simpática A13 representa um esplêndido ganho de autonomia e equilíbrio ao tornar a AML e o país mutuamente mais livres, acessíveis e interdependentes.
O que é que isto tem a ver com a localização do Novo Aeroporto de Lisboa? Tudo e esse tudo é imenso. O caso é que, de todas as localizações em apreço o Campo de Tiro de Alcochete (CTA) fica justamente no lugar geométrico de tangência entre a AML e a simpática A13. Ou seja, simultaneamente dentro da Área Metropolitana de Lisboa e no ponto mais próximo desta com Portugal no seu todo e arredores. Quem traçar uma linha entre as praias de Mira e Odemira, visualizando a menor distância entre entres esses dois pontos norte sul, verificará, talvez com surpresa, que essa linha passa justamente pelo CTA, ficando toda a região de Lisboa integrada confortavelmente a seu lado. Salvo melhor opinião não se encontra sítio simultaneamente mais perto de todos os potenciais interessados, sejam eles vindos da zona (AML), do norte (Porto, Coimbra, Santarém, etc.), do leste (Évora, Portalegre, Badajoz, etc.) ou do sul (Beja, Sines, Faro, etc.).
Se isto não bastasse, uma nova e agradável surpresa surge ao olharmos do alto toda a região e envolvente. Num conceito caro ao desenho na paisagem, o NAL no CTA parece que já lá está, ou seja, a sua localização neste sítio não é estranha nem forçada, ao contrário é onde menos se dá por ela, superior nota de acerto numa intervenção no território. Se à salvaguarda do estuário e aos predicados de acesso juntarmos a planura do sítio, dificilmente encontraremos melhor localização.
Fora isto todas as outras localizações de que se fala são boas se atendermos apenas aos seus pontos fortes, que não se duvida existirem, a dificuldade está na visão de conjunto. Para isso só o conhecimento nos pode valer. Mais do que fundamentar uma preferência, o propósito deste texto é incluir nesse conhecimento e debate, humanidades como a do Desenho. Entre os assuntos a ponderar e os génios a ouvir inclua-se o genius loci. Engana-se quem tomar o Desenho por confinado às pranchetas, pois estende o seu campo ao território. Leonardo foi precursor na topografia terrestre, Pedro Nunes no trabalho em equipe por detrás da cartografia marítima. Não encontro palavra que melhor investigue o suplemento de acerto, equilíbrio e beleza que diferenciará a melhor solução.
Nuno Matos Silva 11.02.2023