Vivemos numa era em que o “direito à asneira” se tornou uma prática política quase legitimada.  Embora o termo possa soar cómico, as suas consequências são, na verdade, sérias. Nos últimos  dias, um debate aceso sobre a Polícia de Segurança Pública trouxe este “direito” ao centro das  atenções. O Bloco de Esquerda, questionando a continuidade da PSP após a trágica morte de  Odair, sugeriu que talvez o papel das forças de segurança deva ser reavaliado. Por outro lado, o  CHEGA, reagindo no sentido oposto, retratou qualquer crítica à PSP como uma ameaça direta à  ordem pública. Estes extremos, embora opostos, ilustram como a política moderna se tornou  uma arte de manipulação emocional, onde questões complexas se transformam em bandeiras  simplificadas e divisivas.

O “direito à asneira” revela-se aqui como uma ferramenta de retórica poderosa. Tanto o Bloco  como o CHEGA aproveitam o episódio para reforçar as suas narrativas: o Bloco, embora levante  um ponto importante sobre a relação entre Estado e cidadão, reduz a questão a um  posicionamento polarizador que acentua a desconfiança pública. Já o CHEGA, ao posicionar a  PSP como guardiã da moralidade e da ordem, utiliza o caso como prova de que a sociedade  precisa de mais policiamento e menos questionamento. Assim, o direito à asneira é  instrumentalizado, permitindo que ambos ignorem a dimensão humana do problema para tirar  proveito político do medo e da raiva, relegando a análise séria e ponderada ao esquecimento.

Num mundo ideal, os partidos existiriam para fomentar o diálogo, aproximando a sociedade de  soluções equilibradas. Neste caso, uma abordagem ponderada permitiria discutir o papel das  forças de segurança com a empatia e análise crítica necessárias. Seria possível reconhecer a  importância da proteção enquanto se asseguram os direitos fundamentais dos cidadãos. Em vez  disso, o sofrimento humano é transformado em combustível para slogans, e o medo e a  indignação tornam-se armas de mobilização. A “asneira estratégica” surge, então, como um  mecanismo de manipulação que mina a confiança social.

O “direito à asneira” não é apenas uma expressão de liberdade de opinião; é também uma porta  para a exploração política das emoções. Ao permitir que cada lado expresse a sua visão sem  filtros, expõe-se o oportunismo de quem molda o discurso de forma simplista para captar  atenção, em vez de contribuir para uma solução. No limite, sacrificam-se empatia e entendimento  em prol de uma mensagem conveniente e polarizadora, que ignora a dignidade dos que confiam  nas forças de segurança e dos que esperam proteção sem abuso de poder.

Em última análise, o direito à asneira é, paradoxalmente, uma bênção. Permite-nos experimentar,  explorar ideias e ver até onde vai a imaginação política, mas, acima de tudo, ajuda-nos a  identificar um idiota à distância. Porque, se há algo que esta liberdade traz de bom, é a  capacidade de, sem filtros, distinguir quem realmente pensa no que diz de quem apenas usa o  momento para fazer barulho. E, nesta liberdade, temos o dever de usar o discernimento para  distinguir um debate legítimo de uma estratégia que explora a nossa confiança. A justiça tem o  seu tempo e exige serenidade e respeito. A democracia mostra o seu lado mais forte quando a  sociedade permanece unida e focada na verdade e no bem comum. Talvez então o direito à  asneira deixe de ser uma desculpa para a confusão e se torne uma oportunidade de questionar  quem realmente está disposto a servir.

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