Quando era pequeno, ouvia os adultos a dizerem, à boca cheia, que os sonhos eram a coisa mais bonita do mundo. Mas, ao mesmo tempo, diziam que o Mundo não era para sonhadores diletantes, que viviam na inércia dos bocados de esperança que caíssem dos Céus. Não. O Mundo era dos espertos. Dos que não se deixavam ir em histórias de contos de fadas e lidavam com a realidade. A realidade. Essa espécie de monstro duro e frio, que não acalenta lugar à mudança.
Ouvia dizer que andávamos na busca da Felicidade e que esse era o nosso Graal. O nosso denominador comum e aglutinador neste caminho. Todos a queríamos. Mas, claro está – muito poucos a tinham. A Felicidade era tipo aqueles bichos pequenos e ágeis que, à menor aproximação, reagia fugindo para o próximo calhau do caminho. E, quanto mais perto e mais o queríamos, mais rapidamente ele fugia.
Na adolescência, com toda a sabedoria do penar das idades de assimilação no grupo, as vozes dispersavam. Grandes ideais surgiam no horizonte e tudo, mas tudo, era possível. Mudar o Mundo, de repente, parecia algo ao alcance de todos, quando todo o tempo era nosso. Confrontei, questionei e julguei. A mim e aos outros. Desfiz mitos, aprendi algo mais da realidade (a minha – percebi que cada um tinha a sua) e expus-me às dores e sacrifícios. Heranças genéticas de crenças acumuladas que nos afastavam, na surdina, de um Éden que parecia tangível, numa espécie de doce ilusão que não queremos largar.
Cresci – não muito em altura, contra todas as expectativas de uma puberdade a querer afirmar-se pelo comprimento do corpo – em densidade emocional, em auto-imagem e, com ela, em inseguranças. Sim, porque atrás de um conceito de nós mesmos vêm sempre os limites que nos impomos. Como uma espécie de muro que intuitivamente construímos contra todas as expectativas. As nossas e as dos outros. E contra os sonhos demasiado ambiciosos. A dura lex, sed lex dos ordenamentos jurídicos fazia-se bem real na minha cabeça. Aprendeste a sofrer – não queres mais – evita o sofrimento a todo o custo. Uma cadeia de valor pela qual acho que todos, de uma forma ou outra, temos que passar e que se torna, para muitos, uma espécie de Lei Universal sedimentada pelos costumes.
Na idade adulta fui amadurecendo, como a fruta que se disponibiliza a ser consumida. Uma maior dose de aceitação progressiva. Uma quase desistência de resistir. Não porque seja especialmente apto a perceber as aprendizagens da vida, mas muitas vezes pelo contrário. Por uma quase preguiça de continuar a lutar. Aceitei que o Mundo é como é e as pessoas são como são. Seja lá o que isso significa. Mas, dentro de mim, não havia paz. Qualquer coisa soava profundamente errado em expressões como: “Eu sou assim. Eu não vou mudar”.
Só anos mais tarde, aos 34 anos, confrontado com uma decisão difícil, fui obrigado, talvez pela primeira vez, a olhar para mim próprio de outra forma. Onde antes via o bom aluno, cumpridor, arregaçado na sua ousadia mental, mas conservador na sua acção (por medo), fui obrigado a ver o que realmente era – um ser humano a quem faltava uma dimensão essencial de mim. O propósito. A missão. O sentimento de pertença a um desígnio maior. E procurei – dentro, fora, dos lados e nos arredores de mim. E cheguei à minha maior crença interna – Todos somos muito mais do que nos limitámos a achar que somos. E constantemente mudamos, como as nossas células, no pulsar de cada dia.
E se a felicidade e os sonhos fugiram, em grande parte foi porque vestimos a pele do bichinho que se põe a léguas quando nos aproximamos. Senti que, assumir esta minha forte fragilidade poderia fazer sentido apenas se o sentir fosse convertido em acção. Decidi, então, fazer a Terra dos Sonhos. Um lugar, sem fronteiras nem limites, onde a palavra impossível não é permitida. Minto. Onde ela nem sequer consta do dicionário. Falei com a voz do menino que ouvia os adultos dizerem que o Sonho é a coisa mais bonita do mundo. E dei-lhe a embalagem dos anos, transformando-o em algo real.
É extraordinário quando fazemos a síntese. De repente percebemos que o Sonho é de facto alcançável. Mas na Terra. No real que antes era um muro. E não fora dele. E quando entendemos que a felicidade, afinal, nunca fugiu. Nós é que fugimos dela. Porque não há nada mais feliz do que estar-se bem com quem se é e com o que se tem. Não querer ser diferente nem ter mais.
Hoje, a Terra dos Sonhos está a tentar criar um Dia Nacional dos Sonhos na Assembleia da República. Contra todos os adultos que se esqueceram que já foram e são crianças. A petição foi aceite. Aguardamos veredicto. Sei que vai acontecer. Não porque seja um infantil sonhador. Mas porque sei, como criança instruída e esbatida já por alguns arrebatos do tempo, que somos nós, na acção, no dia a dia, que geramos os movimentos para eles acontecerem. Eles não vão cair do Céu. Mas podemos trazer o Céu á Terra. Falando a linguagem dos Homens. E que sonhar, mais do que uma inevitabilidade, é um direito. Que, como tal, pode e deve ser alimentado. Desde que saibamos dar-lhe as ferramentas e o aconchego para nunca morrer. Como uma lareira num dia de Inverno que tudo fazemos para manter acesa.
E assim corre a vida nesta nossa Terra de todos os Sonhos. Que, para mim, não pode ser outra que não Portugal.

Frederico Fezas Vital, Terra dos Sonhos