A situação financeira das autarquias em Portugal, bem como a sua autonomia, reforçou-se nos pós 25 de Abril assegurando então a provisão de serviços públicos de âmbito local e contribuindo para que houvesse lugar à construção de determinadas infraestruturas e equipamentos básicos, que de outra forma não poderiam ter sido disseminados pelo território nacional.

Tentacularmente, os serviços locais foram crescendo mediante as necessidades que iam sendo detectadas, e às quais ia sendo necessário providenciar conveniente resposta. As autarquias iniciavam assim a sua intervenção focada na prossecução efectiva dos interesses das populações, ocupando-se os executivos municipais de implementar as opções políticas com vista a perseguir os interesses gerais, em detrimento dos interesses de cariz particular. Almejava-se um desenvolvimento local capaz de uma cada vez mais vantajosa alavancagem do território e, consequentemente, da qualidade de vida das suas gentes.

Este novo factor veio impor nas autarquias a necessidade imperiosa de implementação de um adequado planeamento das suas actividades. Tornou-se necessário clarificar opções estratégicas.  Tornou-se fulcral justificar essas mesmas opções estratégicas, tendo em linha de conta os interesses colectivos que daí poderiam vir a ser assacados.

Face a um número cada vez mais abrangente de funções, que lhes iam sendo atribuídas, as autarquias tiveram de ir abandonando a dita gestão casuística e iniciar um tipo de gestão diferente, uma gestão de cariz intervencionista, que permitisse providenciar adequados planos estratégicos de desenvolvimento local.

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A crescente descentralização foi contribuindo para um reforço cada vez mais significativo do poder autárquico tendo-se pondo em marcha uma reformulação no âmbito da administração autónoma, quer ao nível das suas estruturas organizacionais, como também ao nível dos seus quadros técnicos.

O acréscimo inequívoco da necessidade de respostas por parte das autarquias foi permeabilizando a mobilização de meios mais favoráveis e adequados à gestão. Um desses meios assenta no recurso a serviços de assessoria nas mais diversas áreas e para os mais diversos fins, designadamente, a aquisição de serviços de patrocínio judiciário e consultadoria jurídica; a prestação de serviços para elaboração de documentos estratégicos, estudos e pareceres; a prestação de serviços de consultadoria na área dos recursos humanos; a prestação de serviços para elaboração de candidaturas a fundos Europeus; a prestação de serviços para elaboração de projectos de reabilitação urbana, entre muitos outros.

Mas serão todas as aquisições de serviços por parte das autarquias efectivamente necessárias para a responsável gestão das mesmas? Serão consequência de um tipo de gestão planeada ou meramente casuística e atabalhoada, face a ineptidão da gestão dos serviços municipais por parte de executivos inoperantes? Serão todos os contratos adstritos a essas mesmas prestações de serviços cumpridos conforme o consignado entre outorgantes?

As aquisições de serviços pelas autarquias, sejam os acima elencados ou outros, encontram-se dependentes do cumprimento de determinadas normas legais designadamente à sua conveniente publicitação, para que os cidadãos possam acompanhar de perto a forma como os seus impostos estão a ser utilizados e aferir se está ou não a ser efectuada uma gestão eficiente dos recursos por parte dos executivos camarários.

Mas, apesar dessa transparência estar prevista a verdade é que o acesso do vulgar cidadão a este tipo de informação ainda é bastante reduzido, o que leva a concluir que as normas legais que o ditam necessitam de ter um maior raio de publicidade para assim conseguir uma maior abrangência em termos do seu acesso e consulta.

A gestão autárquica carece de efectiva transparência para que os cidadãos possam, de facto, avaliar as escolhas feitas pelos que foram mandatados para gerir os destinos de uma autarquia.

É necessário que se saiba em que se gasta e o que se gasta no âmbito do erário local, comparando esses valores com a qualidade e quantidade de serviços que são prestados. É necessário que os munícipes sejam capazes de fazer uma circunstanciada avaliação da gestão que está a ser praticada nos seus territórios. É necessário dotar os cidadãos de ferramentas de discernimento para que nas eleições autárquicas possam fazer escolhas baseadas em factos concretos que se possam vir a revelar acertadas para o futuro dos territórios e das suas vidas.

Esta procura da disseminação da transparência é importantíssima para que a ética seja levada em consideração na gestão autárquica, para elevar a responsabilidade de todos e cada um, e também para enfraquecer tudo o que se relaciona com clientelismo político-partidário.

Costuma-se dizer que contra factos não há argumentos e, actualmente, cada vez é mais necessário estar atento aos factos, sendo que ter acesso à informação que os sustenta tornou-se um imperativo, pois somente assim será possível aprender a discernir o que se constitui como a dita “espuma dos dias”, vulgo o discurso político que é vomitado e divulgado em tom propagandista, daquilo que na realidade se passa na administração local.

Existem autarquias que podem estar estagnadas e em completa ruptura, mas cujo discurso político associado ao funcionamento dos serviços, bem como à dinâmica no âmbito da implementação de novos projectos, será sempre assente em pressupostos de sucesso e mudança positiva. O que jaz atrás de fáceis e instantâneos discursos propagandísticos visa primordialmente o condicionamento da opinião dos eleitores, que, findo um ciclo político serão chamados a votar. Nenhuma política de desenvolvimento concelhio tende a apresentar resultados imediatos. Nenhuma política de verdadeiro desenvolvimento territorial se compadece com soundbites ocos, fotografias engendradas ao pormenor e publicadas em catadupa nas redes sociais.

A preocupação com o desenvolvimento dos territórios e com o bem-estar das populações que os habitam vai além do tempo político e não pode ser casuística, muito menos sensacionalista.

A gestão das autarquias deve seguir um planeamento e não um aproveitamento constante da falta de informação associada à grande maioria das pessoas, que carecem de ser capacitadas e empoderadas, e não adestradas com embustes vários.

(Escrito de acordo com a antiga ortografia.)