É uma estirpe que pegou modo há uns anos e por cá ficou. Pelo que atento dizer, aqui e ali, – nomeadamente através do meu primo de 12 ou 13 anos de idade -, até habitam, em rebanho (são cerca de uma dezena), a mesma mansão (auto-intitulada “Casa dos Upload”), onde vivem que nem nababos dos tempos correntes, com mordomias e mais mordomias somente ao alcance de um qualquer notável jogador da bola, de um CEO que necessitou de uma cunha para tal, ou do director do Serviço de Ginecologia/Obstetrícia do Garcia de Orta. Eles são youtubers nacionais, ou, como fazem questão de afirmar, “gestores de conteúdos na Internet…”. Alguns deles são tão porreiros, que até já andaram por festivais de Verão a cantar (leia-se “cantar”) e a “espingardear” meia-dúzia de coisas sem sentido nenhum para o comum dos mortais. Frases disparatadas e banais, infindavelmente alicerçadas a uma exasperante voz aguda e a expressões faciais de alguém que acabara de ter uma trombose. Pior: são aplaudidos – por vezes roçando a histeria colectiva que torneava os Beatles – quando as dizem. Os mais novos (e mesmo novos, ainda sem idade para a adolescência) veem estes tais youtubers como exemplos a serem seguidos, procurando imitá-los no quotidiano (da miséria ética!). Veem-nos como messias, ou como filósofos a pregar uma linhagem de sabedoria e de conhecimentos que, aos olhos desta novata rapaziada, os eleva a um patamar bem acima de indivíduos como Hegel, Freud, Jean-Paul Sartre, María Zambrano, Nietzsche, entre tantos outros.

Juntos, habitam uma vivenda de luxo, “divertida e mágica”, cuja singularidade do conteúdo que por lá se desenvolve só não é mais ampla por não terem conseguido ainda domesticar um unicórnio vadio. Ou então – já que está na moda e parecer dependermos todos dele para ficarmos porreiros –, alugar um arco-íris numa loja de conveniência para colorir as bordas da piscina. Adiante. Entre arremessar uma melancia do cume do edifício – só para ver o que acontece -, não piscar os olhos durante “x” tempo, colocar pasta de dentes (ou espuma de barbear) no cabelo de um camarada que esteja a dormitar (ideias oriundas, decerto, de um Sobral Cid qualquer), também conseguem dizer coisas interessantes, capazes de magnetizar uma geração: “A minha varanda tem uma vista muito gira, não estão a perceber…!”, “Como é bom ver o mar, não estão a perceber…!”, “Acordei a meio da tarde e o meu cabelo está uma lástima. Não estão a perceber…!”, “O meu quarto está uma lástima, não estão a perceber”…!

Não obstante, é adorável vê-los a reagir a vídeos da Internet. Sim: colocam-se de frente para o portátil e, durante um belo quatro de hora, reagem a vídeos – ditos virais – a que assistem. Como se essa reacção fosse a única a contar. De forma inconsciente (ou não), assumem-se como barões de um conhecimento versátil e, de forma ligeiramente egocêntrica, reagem a coisas humorísticas, menos humorísticas, momentos televisivos e do quotidiano, apanhados, etc. Adiante! Há pouco tempo – e para tentar perceber melhor a essência pastoril de tudo isto – dei por mim a ver a entrevista de um deles! Ora comovido, ora brincalhão, falava do final da relação com a namorada: “Eu, realmente, já queria acabar com ela há uns meses, mas fui-me deixando estar, estão a ver? Não tive coragem de a magoar. Mas agora terminámos de vez, mas ficámos amigos. Ela está um pouco triste, mas somos amigos. Não pensem que acabei com ela para andar aí a «comer» outras miúdas, OK?”, refere o jovem, robusto (entre 120 ou 130 quilos) e com um cabelo de cor peculiar e algo psicadélica, fazendo lembrar as alucinações que tomaram conta dos pensamentos de Camilo Castelo Branco sempre que este fumava ópio, na generalidade das vezes às escondidas de Ana Plácido.

Adiante! Trata-se de uma vivenda de youtubers, cujo conteúdo de interesse comum lá existente – que alimenta a massa acefálica dos nossos pré-adolescentes – é mais baixo do que o quotidiano selvagem do Parque Natural de Amboseli, no Quénia. E o vírus apenas intensificou toda esta panóplia, “não estão a perceber…!”.

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