Li com atenção o especial do Observador sobre os abusos sexuais de menores por sacerdotes. Embora nenhuma história fosse nova ou desconhecida, relembra-las não pode deixar de nos causar uma sensação de dor e angustia.
Como é possível um adulto abusar de uma criança? Como é possível um sacerdote trair de tal maneira a sua vocação, que usa o seu ministério, a autoridade que ele lhe dá, para abusar de alguém de quem era suposto cuidar?
E aqui não há números ou estatísticas que valham: um só caso já era gravíssimo. Aquelas nove crianças não são um número, cada um é uma pessoa cuja vida foi ferida no que tem de mais íntimo. Diante disto a Igreja só tem uma coisa a fazer: pedir perdão e, sobretudo, fazer tudo para garantir que estes casos não se repetem.
O especial do Observador teve o mérito de demonstrar a verdadeira dimensão do abuso sexual de menores por sacerdotes em Portugal. Ao fim de três meses de investigação, de milhares de quilómetros percorridos, depois de ouvir dezenas de testemunhos, depois de uma semana a pedir denúncias sobre o assunto no fim de todas as notícias e artigos, ficamos a saber que desde 2001 são conhecidos quatro casos de abusos de menores em Portugal por parte de sacerdotes.
Não há por isso indícios que esta praga seja sistémica em Portugal. Estes casos, sendo cada um uma tragédia e uma vergonha, são, aparentemente, casos isolados. Isto não deve evidentemente eximir a nossa hierarquia da responsabilidade de garantir que casos destes não voltam a acontecer.
Contudo, também não justifica a suspeita levantada quando se afirma “A estes dados juntar-se-ão ainda casos que acabaram arquivados sem provas. E os outros números que nunca serão totalmente conhecidos: os daquelas vítimas que não ousaram partilhar com alguém aquilo que sofreram, ou que partilharam e viram os seus casos encobertos, sendo aconselhadas a manterem-se em silêncio.”. Se ao fim de três meses de investigação não foi encontrado nem um caso desses, então levantar a suspeita de que haverá por aí sacerdotes abusadores que nunca foram denunciados é alimentar uma calúnia que os factos revelados pela reportagem não sustentam. No fundo o que o jornalista está a afirmar é que tem a certeza que os casos existem, mesmo que ele não seja capaz de os descobrir.
Por outro lado a reportagem do Observador também demonstra que não há indícios de que a hierarquia portuguesa tenha tentado branquear estes acontecimentos.
Evidentemente que é possível apontar falhas ao comportamento da hierarquia, sobretudo com o dom dos profetas que escrevem depois das investigações terem sido feitas. Por exemplo no caso do sacerdote da diocese da Guarda que não avisou imediatamente o seu bispo das acusações dos jovens do seminário. Ou quando o bispo de Santarém, para cumprir a vontade da família, não avisou as autoridades civis. Contudo, nos quatro casos relatados, a hierarquia colaborou com as autoridades e tomou medidas internas contra os abusadores. Mas daí a afirmar que os bispos esconderam estes casos, e sobretudo, daí a insinuar que haverá mais casos que a Igreja escondeu, como faz a reportagem final deste especial, é mais uma vez substituir os factos narrados pela calúnia.
O abuso sexual de menores é um tema gravíssimo, mais grave ainda quando os abusadores são sacerdotes. Os abusos devem ser denunciados e a única preocupação de quem tenha conhecimento de tais casos deve ser as vítimas. Por isso, quando tratado pelos jornalistas deve-o ser com especial cuidado e atenção, para garantir que a tentação do escândalo não substituiu o bom propósito de dar voz às vítimas. E deve-se garantir que a dor das vítimas não é usado para fins de propaganda. Infelizmente, foi o que aconteceu.
Jurista
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