A razão por que geralmente janto com rancor, e pouco antes das 8:12, descreve-se facilmente. Ligo a televisão às 8 para ver as notícias e às 8h05 começo a uivar; nessa altura mudo o canal e às 8h08 recomeço a uivar; às 8h10 volto a mudar o canal e alguns segundos depois dou por mim a uivar; às 8h11 volto ao primeiro dos canais. Possivelmente por causa dos meus uivos tenho muita dificuldade em distinguir os três canais. Para piorar as coisas, as mesmas pessoas reaparecem periodicamente em todos eles. A excepção será o senhor que me pisca o olho, embora com boas intenções, que imagino que esteja satisfeito onde está.

O pesadelo arrasta-se até altas horas, mas nessa altura em cinco ou seis canais. Nenhum ângulo de nenhuma questão fica por referir. Quando subsistem dúvidas, pergunta-se ao público; os factos são então estabelecidos por referendo. Para esse esforço de produção nacional são usados grupos de pessoas em quem sempre se reconhece o Reformado, o Polícia, o Brasileiro e o Jovem. Existem também estúdios onde foram recriados uma rua, um centro de emprego, uma praia e um hospital. A combinação permite as dezasseis formas simples do género noticioso (de ‘Reformado na Rua’ a ‘Jovem no Hospital’). Os figurantes, dispostos em bicha, confirmam as piores apreensões dos locutores e as perguntas que lhes são feitas; e todos os locutores exprimem compunção e alegria por ver as suas perguntas respondidas de modo tão perfeito, e as suas piores apreensões confirmadas.

Concomitante ou sucessivamente, ao balcão, diante de copos com o que é impossível que seja água, um pequeno número de convidados de dedo em riste prolonga este gosto pelo género profético. Não parecem saber nada de especial; mas talvez saibam coisas que não podem dizer. Os convidados descrevem o que aconteceu de modos estranhos e penetrantes; reservam porém as suas ideias mais firmes para aquilo que ainda não aconteceu. Como os figurantes, às várias ideias que têm chamam factos. Os factos retribuem o favor e coincidem com as suas opiniões. São por isso uma questão verbal. Isso explica que as notícias dependam tanto de pessoas a falar. A definição de ‘locutor’ é: alguém que fala como um profeta mas não foi manifestamente escolhido por Deus.

Ao anoitecer, o género noticioso transforma-se em género profético. Foi o triunfo do profético que fez desaparecer o boletim meteorológico. A meteorologia era a única actividade televisiva que manifestava previsões plácidas e razoáveis. O triunfo da profecia fez perder o interesse por quem só se arriscara a exprimir a probabilidade de um acentuado arrefecimento nocturno.

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