Tal como rumar ao espaço em foguetões inovadores é uma forma de descentralizar o habitat da humanidade face à vulnerabilidade planetária da nossa espécie, impulsionar um fórum eletrónico global no sentido da total transparência, seja ele o Twitter ou outro qualquer, será uma rampa de lançamento para a descentralização de dados que permitirá defender a privacidade dos cidadãos e a liberdade.

Quando usufruímos de serviços digitais sem ter de os pagar, é porque o produto comercializado somos nós, ou melhor, são os nossos dados que andam na baila. Por isso, o primeiro sinal de que o foguetão mediático de Elon Musk será apontado à liberdade, consistirá na cobrança de bilhetes aos respetivos passageiros. Este é o melhor indicador de que os serviços prestados a bordo não trarão água no bico. Obviamente, ninguém decide pagar por algo que costuma ter ou usufruir de borla, valendo a pena observar porque valerá a pena comprar bilhete e viajar num foguetão mediático transparente.

Em matemática e ciência da computação, algoritmos são sequências de operações e ações executáveis para solucionar problemas. Muitos julgam que os algoritmos inspiram confiança pelo simples facto de serem precisos e exatos. Este raciocínio é falso e perigoso. Os algoritmos são rigorosos, mas nada obriga a que sejam éticos (um dado negócio não é legítimo só porque as contas batem certo). A verdade é que os algoritmos digitais tornar-se-ão omnipresentes e omnipotentes nos próximos anos, e a forma de garantir que eles serão benignos é proceder a uma reforma política efetuada à luz de um novo enquadramento ético que requer o primado da transparência.

Esta reforma será induzida pela descentralização digital e não deverá basear-se, apenas, no conhecimento público dos critérios que controlam as publicações nas redes sociais. O foguetão transparente de Elon Musk chegará democraticamente mais longe se transportar esses critérios para uma nova dimensão, aberta, mas, vinculativa, onde tais critérios não dependam de terceiro mas sim dos consensos estabelecidos e autenticados pelas chaves criptográficas dos próprios passageiros, isto é, por cada um de nós. É tempo de dar a palavra à sociedade civil.

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Claro que a transição para uma tal dimensão transparente será gradual. No entanto, a reforma do sistema político pode e deve ser catalisada pela independência da informação e a desintermediação das transações, sendo que a concretização deste duplo objetivo está fora do alcance da sociedade civil na atual dimensão opaca dos interesses do costume.

Se a transparência preconizada por Musk e por outros pioneiros não for boicotada por esses interesses, traduzir-se-á em autonomia na partilha de informação e, ainda, na liberdade de celebrar contratos auto-executáveis. Deste modo, a descentralização digital servirá a desintermediação dos negócios e a descentralização do poder, abrindo caminho para uma reforma política imperativa do ponto de vista ético, democrático e até existencial (como duramente se vem percebendo nestes meses de guerra na Europa).

O motor que equipará o foguetão transparente do rocket man é a tecnologia blockchain, permitindo entregar chaves criptográficas privadas a cada um dos passageiros. E podemos estar certos de que Musk conhece bem o sistema propulsivo deste mecanismo descentralizador, tendo aprendido a pilotá-lo no mercado das criptomoedas. Trata-se de uma tecnologia completamente diferente das anteriores.

As implicações político-económicas da primeira tecnologia descentralizadora da história justificam plenamente o ditado “para grandes males grandes remédios”. Ao fundar aquilo a que podemos chamar confiança distribuída, a tecnologia blockchain veio alterar o enquadramento ético da sociedade. Atualmente, para poder confiar na validade das transações realizadas entre os participantes de uma rede digital na Internet, basta que todos eles utilizem um protocolo criptográfico. Isso é suficiente para assegurar uma total confiança no rigor matemático dos compromissos estabelecidos, mesmo entre desconhecidos.

Permitindo alcançar a quimera de conciliar transparência e privacidade, esta tecnologia liberta um potencial descentralizador nunca visto, aconselhando a uma reforma do sistema político e ao aperfeiçoamento do principal sistema de incentivos humanos.

Esta tecnologia permite a criação de chaves criptográficas privadas que comprovam, de forma indelével (mas reservada), a propriedade dos dados. Também são estas chaves que viabilizam a transparência digital. Porquê? Porque a privacidade acrescida que proporcionam também possibilita a distribuição de registos imutáveis e inequívocos relativos a todas informações partilhadas e transações efetuadas. Estes registos oferecem a máxima confiança na medida em que são indesmentíveis. Aliás, é por esta razão que a revista “The Economist” considerou a tecnologia blockchain como sendo a “máquina da verdade” .

Quem não deve não teme, e devemos pugnar pela transparência de algoritmos que irão regular quase toda a nossa vida política, económica e social, sendo que a velocidade com que nos empenhamos na era digital exige medidas que Elon Musk compreende melhor do que ninguém. 

Graças ao novo tipo de confiança distribuída em redes blockchain descentralizadas, é possível garantir a transparência dos dados sem comprometer a privacidade dos utilizadores. Aliás, é por esta razão que Musk pode aventurar-se num foguetão mediático transparente. Ele percebeu, antes dos comentadores, que é possível recorrer à encriptação de dados para autenticar a informação e associá-la, de forma infalível, a quem a publica, isto sem comprometer a privacidade. Acabam-se os falsos perfis e a liberdade de expressão pode ser separada da leviandade e outros quejandos. Como refere Ribeiro e Castro, num excelente artigo, “aplicando o regime adulto da identidade, os problemas de que nos queixamos (fake news, difamação, injúria, calúnia, bullying, conteúdos proibidos) ficam reduzidos a quase nada”, acrescentando que “a liberdade é que cuida da liberdade”.

A dada altura, Musk e outros visionários perceberam que as plataformas digitais poderiam substituir com vantagem os bancos, decidindo fundar o Paypal. Entretanto, surgiram protocolos criptográficos que tornam dispensáveis as próprias plataformas digitais centralizadas, permitindo a qualquer indivíduo criar sistemas monetários descentralizados, ou seja, sem recurso a bancos ou outros intermediários (se isto não fosse possível, as criptomoedas nada valeriam). Claro que alguns indivíduos aproveitam essa autonomia para criar esquemas fraudulentos e contos do vigário, mas, esses, são casos de polícia, sendo que a imutabilidade e transparência dos registos contabilísticos em redes blockchain, aliada à inteligência artificial, também facilitam a investigação criminal; como refere Pedro Borges, presidente da Criptoloja, “um hacker que peça um resgate em bitcoin é parvo“.

Ainda assim, do ponto de vista estrito da eficiência do esforço despendido pelas autoridades, é mais fácil utilizar sistemas informáticos que acedam a metadados e monitorizar toda a gente, pelo sim pelo não… No entanto, essa transformação de casos de polícia no policiamento de todos os casos, iria corroer a democracia, destruir a privacidade e minar a liberdade. Por isso, o tribunal constitucional tem razão nesta matéria crucial.

Para se entender o que está em causa, compreenda-se que metadados são dados sobre os dados. Por outras palavras, os metadados consistem em informações que possibilitam organizar, classificar, relacionar e retirar ilações sobre o conjunto original de dados. Por exemplo, observando as opiniões expressas pelos utilizadores nas redes sociais, é possível, recorrendo a metadados, deduzir as ideologias políticas de cada um deles e programar, em conformidade, as suas carteiras de moedas digitais.

Por esta razão, a centralização de dados e a utilização de metadados formam um “cocktail informático” demasiado poderoso para estar ao serviço de regimes autoritários. Aliás, mesmo em democracia, a centralização dos dados é uma tentação que ameaça os direitos dos cidadãos, escancarando a porta do cavalo aos metadados.

Resumindo, a descentralização digital e a inteligência artificial permitirão lidar da melhor forma com comportamentos criminosos que sempre existiram e existirão. Tecnologia combate-se com tecnologia, não devendo a inovação tecnológica ser uma desculpa ou um passaporte para a instauração de estados policiais, traduzindo-se num cheque em branco a favor do autoritarismo.

Resta a esperança de que Elon Musk e outros pioneiros tornem os céus cristalinos com os seus foguetões mediáticos transparentes, equipando-os com a tecnologia necessária para atingir uma nova dimensão descentralizada, onde a humanidade possa flutuar liberta da gravidade que vem agregando a informação, o dinheiro e o poder. Pode parecer utopia, mas será apenas a liberdade a cuidar da liberdade para a democracia não tombar na era digital.