Os números são claros: em Portugal joga-se menos tempo do que nos outros países, existe menos capacidade económica face aos oponentes e a dificuldade de os clubes se imporem nas competições europeias cresce exponencialmente. Como é que, com dados assim à nossa frente, poderemos ambicionar objetivos que não são à medida da nossa pequenez? Sejamos claros: vencer a Liga dos Campeões (ou mesmo a Liga Europa) está cada vez mais longe do nosso horizonte porque a qualidade do nosso futebol é cada vez mais baixa.
Claro que há talento — há ótimos jogadores e ótimos treinadores, o ponto não é esse — mas, comparando com países vizinhos, o cenário não é famoso, longe disso. Muitas vezes, para se argumentar contra isto que estou a dizer, usam-se as boas classificações das nossas equipas juniores nas competições internacionais. Está mais do que provado que isso não conta quase nada para o sucesso a médio ou a longo prazo. É giro ganhar e põe a Federação Portuguesa de Futebol no mapa, ainda que, se estamos a falar da qualidade e evolução do jogo, haja outros fatores bem mais importantes a ter em conta do que ganhar alguns jogos na formação.
Estatísticas recentes mostram que Portugal continua na cauda da Europa no que diz respeito ao tempo útil de um jogo de futebol: 57 minutos de média, num jogo que tem noventa para se jogar. Ocupamos o 31º lugar da Europa. No resto do tempo, fazem-se outras coisas que parecem desporto mas não são: marca-se faltas em números olímpicos parando o jogo sistematicamente, refila-se como fazem as crianças que não querem tomar banho e simula-se à la Chapitô para o árbitro pensar que viu coisas que, de facto, não aconteceram. “É jogo, faz parte”, dizem. Será que faz? E queremos que faça?
Desafio qualquer pessoa a assistir a um jogo de miúdos da formação, onde, pela pureza das crianças, as incongruências se evidenciam com muito mais clareza. Muitos treinadores, se as próprias equipas estão em vantagem, pedem aos jogadores – relembro, tem 8, 9, 10, 11 anos! — para demorarem tempo, para fingirem que se lesionam, para não irem buscar a bola quando sai do terreno de jogo, para fazerem tudo aquilo que não é jogar. O mesmo se passa com alguns árbitros, que fazem do apito um instrumento de um concerto interminável e com alguns pais, que só lhes falta entrar em campo para rematarem pelo filho. Quem pensa que isto dá ferramentas aos jogadores para que eles se “safem” quando forem grandes, está profundamente enganado. Eles têm é de jogar. O resto, aprendem por si. Ou foi preciso que os nossos pais nos ensinassem a disfarçar as asneiras que fomos fazendo quando éramos pequenos?
Confundir mentiras com manhas; truques com desonestidade; e inteligência com maldade e estupidez não é desporto. São coisas que os que não conseguem ganhar como fazem os grandes – com dignidade, coragem e destreza – inventam para ver se o sucesso lhes cai na rifa. Só que não cai.
Não é este o único fator e, felizmente, continua a haver muitos projetos ou pessoas que dão vida ao jogo e sustentam o nosso futebol. Mas é preciso fazer muito mais. Como é evidente, ao contrário do que aqui fiz, a qualidade do jogo não pode ser explicada apenas por dois ou três números, mas eles têm significado, não podem ser ignorados e, acima de tudo, dão-nos sinais, os sinais de que, em Portugal, não se quer jogar futebol.
Tudo começa na formação e acaba no horário nobre da televisão de cada português.
Francisco Guimarães tem 23 anos. É treinador de futebol desde os 15 anos em clubes como o Estoril Praia ou o Delhi United, da Índia. É comentador de futebol na Sport TV, embaixador para a integridade no desporto e foi cronista no jornal Record. É especializado em psicologia do desporto e está a concluir a sua formação como treinador, tal como uma licenciatura em Artes e Humanidades na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. É membro dos Global Shapers desde 2020.
O Observador associa-se ao Global Shapers Lisbon, comunidade do Fórum Económico Mundial, para, semanalmente, discutir um tópico relevante da política nacional visto pelos olhos de um destes jovens líderes da sociedade portuguesa. O artigo representa a opinião pessoal do autor, enquadrada nos valores da Comunidade dos Global Shapers, ainda que de forma não vinculativa.