Vista de longe, uma revolução tem mais «charme» do que um mero golpe de estado mas, segundo a verdade histórica daquilo que efectivamente se passou em Portugal no 25 de Abril de 1974, excluindo o atribulado período de seis meses entre 11 de Março a 25 de Novembro de 1975, foi um golpe bem-sucedido no plano militar mas – verificamo-lo hoje – profundamente controverso na ordem civil. Quanto ao período dito revolucionário, a única coisa que dele sobrou foram as sequelas profundamente nocivas para o país, tanto do ponto de vista político-eleitoral como económico-financeiro, deixadas até hoje por esses seis meses de tentativa revolucionária!

A missão dos militares foi terminar de vez o regime obsoleto dos herdeiros de Salazar a fim de pôr termo à guerra colonial, o que foi feito em escassos meses mas não sem problemas sérios mal resolvidos quanto àqueles que tiveram de abandonar as colónias. O período marcelista do velho regime ditatorial já era mais débil do que outra coisa, como vários opositores salientaram na altura tanto no país como no exílio, desde a chamada «Ala Liberal» liderada por Sá Carneiro até aos exilados que estavam fora da órbita soviética, sendo a troca de livros e artigos entre o general Spínola e Mário Soares o mais decisivo. Por seu turno, o PCP cumpriu a triste missão ditada pela URSS de entregar as colónias africanas ao domínio soviético. Na ordem civil, o PS tinha sido fundado no exterior poucos meses antes do golpe, não por acaso na Alemanha, enquanto o PPD era criado a partir da «Ala Liberal» e o CDS foi repescado com a bênção da Igreja entre os «marcelistas católicos» recentemente excluídos da representação parlamentar…

Quem teve de gerir as sequelas da curta tentativa revolucionária dos seis meses de 1975 – a começar pela nacionalização da banca, a quebra económica e a própria redacção da Constituição de ‘76 – foram até hoje os dois partidos dominantes, o PS e o PPD-PSD. Ora, estes não foram capazes nem serão no futuro previsível de se juntar para rever a Constituição e o sistema eleitoral: podiam aproveitar o cinquentenário do golpe de 25 de Abril para os democratizar. Com efeito, não é democrático que um partido com pouco mais de 40 por cento dos votos – um quarto apenas dos eleitores inscritos – tenha a maioria absoluta no parlamento. Assim como é tudo menos democrático que um partido imponha à população decisões com que a maioria não concorda, como é o caso provocatório da eutanásia para a maioria das pessoas.

Outra sequela gravíssima dos seis meses de tentativa revolucionária em 1975 parecida com as alianças de tipo latino-americano entre a «tropa» e os partidos totalitários, é o facto de a Constituição nunca ter sido votada pelos eleitores, como é sempre feito em casos semelhantes (veja-se a Espanha), assim como os sucessivos governos nunca submeteram aos eleitores a adesão à actual União Europeia nem os sucessivos tratados que a generalidade das pessoas desconhece e cujos eventuais efeitos negativos são atribuídos pelos governos ao típico «passa culpas» que caracteriza os dois partidos dominantes do país há quase 50 anos, criando assim esse enorme «défice democrático» particularmente acentuado em Portugal!

Num país como o nosso, caracterizado pelo mais baixo nível educativo da Europa, esse «défice democrático» de que Portugal sofre gravemente tem sido uma, entre muitas, das sequelas do conluio constitucional entre os dois partidos de governo – até agora o PS e o PSD, amanhã se calhar o PS sozinho, como gostaria – é a prova provada que a chamada democracia portuguesa não é mais que o banal resultado do golpe militar acabar a guerra colonial. Esse golpe foi, aliás, combinado secretamente com as potências estrangeiras e com as magras oposições liberais da altura, mantendo deliberadamente sob interdito decisões da maior importância para o país cujo acesso foi e continua a ser proibido à generalidade dos eleitores!

É falso, portanto, que Portugal tenha sido libertado do chamado fascismo por uma qualquer «revolução política» destinada a repor mais do que o liberalismo da República velha então de quase 70 anos. Quanto ao regime parlamentar demo-liberal que se seguiu ao golpe militar, não é mais do que a restauração do regime republicano em condições nacionais e internacionais reconhecidamente melhoradas pelo tempo. Nada menos mas também nada mais. Voz é algo da qual só usa quem a ela tem acesso, pois a retórica constitucional nunca foi sujeita a voto e o funcionamento do parlamento foi submergido pela rotina das difíceis condições económicas e sociais do país. Exemplos disso são o empolamento clientelar da chamada «função pública» e o uso e abuso de um «estado social» cada vez mais parecido com a compra de votos. A democracia está, pois, reduzida ao mínimo do voto livre ou da abstenção. Qual revolução então, se tudo está politicamente na mesma?

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