A nossa classe política nunca deixa de ter surpresas reservadas para os portugueses. Já se percebeu que Costa e Rio querem fazer um referendo sobre a regionalização em 2024. Haverá um acordo entre os dois sobre a regionalização? Parece certo que vem aí o governo da regionalização.

Os referendos em Portugal são curiosos. Quando a respostas do povo não agradam às elites políticas, como aconteceu com o aborto e agora com a regionalização, acabam por ser repetidos. Quando as respostas agradam ao poder político, os resultados dos referendos passam a ser irreversíveis.

No referendo que aí vem sobre a regionalização, há uma grande mudança em relação ao anterior, realizado em 1998. Desta vez, a liderança do PSD é a favor da regionalização. Rui Rio sempre quis a regionalização. A sua ambição parece ser um dia tornar-se no Alberto João Jardim do norte de Portugal. Por isso se entende o seu esforço para fazer do PSD um partido do norte, e não um grande partido nacional. Ou seja, uma espécie de Liga do Norte social democrata.

Tradicionalmente, o PS foi sempre a favor da regionalização, o que aliás vai contra a sua origem ideológica jacobina, que defende um Estado nacional altamente centralizado (pelo menos, assim é em França, a pátria dos jacobinos). A posição do Presidente da República é um enigma (mais um…). Como Presidente do PSD liderou a oposição à regionalização do governo de Guterres, e ganhou. Agora, pelas suas declarações iniciais após o anúncio de António Costa, parece mais aberto à regionalização. Convinha que explicasse o que o fez mudar de ideias. A regionalização é um assunto de Estado.

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Em Portugal, a regionalização não faz qualquer sentido histórico, geográfico ou étnico. Em Espanha, por razões históricas e étnicas, a existência de regiões faz todo o sentido. Por razões geográficas, também se entende que os Açores e a Madeira sejam regiões autónomas. Mas em Portugal continental, não há uma tradição regionalista, mas sim municipal. Aliás, os municípios, as autoridades autárquicas serão as primeiras vítimas da regionalização. Os Presidentes da Câmara deveriam aliar-se para combater a regionalização.

Há quem diga que a regionalização é popular no Norte. Custa entender porquê. Não haveria seguramente as regiões do Minho, de Trás-os-Montes e do Douro, mas apenas a região do “Norte”. Será que Braga, Bragança, Viana do Castelo e Vila Real querem perder autonomia em relação a um poder central do “Norte?” E o Porto quer abdicar da sua forte tradição municipalista? E Aveiro ficaria na região “Norte” ou na região “Centro”? E Viseu? E a Guarda? E qual seria a capital da região “Centro”? O facto de algumas elites políticas e futebolísticas do Porto defenderem a regionalização, não significa que ela seja popular no norte do país.

Sou muito crítico do centralismo de Lisboa, e cresci a ouvir ataques contra a “macrocefalia da capital”. Há seguramente razões fortes que explicam a minha condição de adepto e sócio do FC Porto, mas não confundo futebol com a organização política e constitucional do meu país. Sou inteiramente a favor de mais descentralização, mas de natureza municipal. Não quero uma centralização regional. A regionalização centraliza poderes no nível regional, não descentraliza competências.

Sendo contra as tradições a história de Portugal, a regionalização seria uma reforma imposta pelo poder político aos cidadãos portugueses. Visa aumentar a burocracia, os orçamentos públicos e os empregos para os militantes partidários. Aumentará igualmente a despesa pública e, obviamente, os impostos. Seria uma mudança não só feita contra os portugueses, mas paga pelos portugueses. Não podemos deixar que um acordo entre Costa e Rio mude para sempre Portugal, e para pior. Portugal não pode ser uma “colónia” dos líderes partidários, redesenhada a regra e esquadro na Lapa e no Largo do Rato para satisfazer o apetite insaciável de “jobs for the girls and boys”. Querem Portugal com “regiões” governadas pelos Carlos Césares deste país a empregar os seus familiares e amigos?

Há outro ponto que interessa sublinhar. Se Costa e Rio tivessem um plano para fazer crescer o Chega, não fariam melhor. Com o PS, o PSD, e a IL a favor da regionalização (Alguém tem que explicar à malta liberal a relação entre descentralização e liberalismo), o Chega vai liderar todos aqueles que no centro direita e na direita são contra a regionalização, e são muitos, são milhões. O Ventura recebeu um presente de Natal antecipado de Costa e de Rio. Os militantes sociais democratas devem pensar muito bem nas consequências de um referendo, com o Chega no lado vencedor e o PSD no lado derrotado, para o futuro do seu partido.

Por fim, convém avisar contra um truque que pode passar pela cabeça de Costa e de Rio (já passou de certeza porque de truques sabem eles). Podem querer fazer uma revisão constitucional curta e rápida para permitir a realização de referendos no mesmo dia de eleições. Assim, poderiam fazer o referendo na mesma data das eleições europeias em 2024. Seria o modo de desvalorizar a regionalização e tentar aprová-la com uma participação minoritária dos eleitores. Os portugueses que se preparem porque o bloco central dos interesses que Costa e Rio querem formar virá acompanhado de truques e armadilhas.