O Hospital de Santo António, uma das instituições de saúde mais emblemáticas do Porto, tornou-se o cenário de um verdadeiro espetáculo de resistência, onde os heróis não são os médicos, mas sim os pacientes que, com uma paciência digna de um monge budista, enfrentam longos dias de espera nas urgências. A plateia – composta por doentes crónicos e com infeções latentes, que podem facilmente virar septicemias – aguarda ansiosamente por um diagnóstico que parece mais uma lenda urbana do que uma realidade.

Se está à procura de uma experiência de cura nas urgências do Hospital de Santo António fique a saber que não é exatamente o lugar ideal para a procurar. Aqui, a higiene, o cuidado, o respeito pelo outro, pelos familiares e a humanitude, são apenas uma miragem pelo meio dos corredores frios e dos gabinetes convertidos em quartos t0, onde coabitam três ou quartos doentes, perdidos sobre o silêncio, à espera sem fim, sem aquecimento e sem atendimento, onde o único tratamento que os pacientes recebem é uma dose maciça de frustração e de abandono. Para aqueles que sonham em tomar um banho ou se livrar do cheiro do último dia de espera, a solução parece ser um exercício imaginário. Afinal, quem precisa de água e sabão quando se tem de sobreviver num hospital?

Os pacientes, com rostos perdidos, em distanásia, fazem fila em macas, ou cadeiras de rodas, quando as há, em salas de espera ou mesmo nas cadeiras fixas ao chão existentes pelo corredor, onde se misturam as dores e as maleitas, muitas vezes, queixando-se em surdina ao vizinho do lado,  se o próximo passo será um diagnóstico ou uma vaga numa unidade de cuidados intensivos. Enquanto isso, nao há médicos, nem técnicos para fazer exames , ou porque é fim de semana, ou porque não há condições, até para colher análises clínicas e assim os exames parecem ter sido esquecidos em algum lugar entre o último relatório do Estado da Nação, sobre o caos no INEM, a próxima reunião sobre eficiência hospitalar OU A FALHA DE TODO UM SISTEMA. O que importa é a única certeza que é uma incerteza.

Quem diria que um hospital, um espaço destinado a curar, se tornaria um verdadeiro campo de batalha? E não se deixe enganar: os profissionais de saúde estão tão sobrecarregados que, em vez de médicos ou enfermeiros, parecem mais para malabaristas, ou bombeiros, tentando equilibrar a pressão do sistema e a falta de recursos, com a esperança dos pacientes. Mas, claro, eles também são  heróis dessa história, pelo menos os que lutam contra um sistema que, a cada dia que passa, parece se desmoronar mais. Não são muitos, mas ainda os há!

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Enquanto isso, as histórias de pacientes que aguardam internamento acumulam-se como folhas secas em um outono sem fim. “Eu só queria saber o que tenho”, desabafou-me a minha mãe, uma senhora de 68 anos, doente renal há mais de 20 anos, transplantada, em risco de perda do enxerto, com uma infeção detetada por análise clínica, mas ainda sem diagnóstico conclusivo, por falta de médicos especialistas para efetuarem um exame complementar, que não se faz por ser fim de semana. Assim, se passou três noites num corredor, correndo em três dias, dois serviços, sempre sem diagnóstico, regressando ao primeiro onde foi recebida aquando da sua chegada,  coberta com um cobertor, cheia de dores, soro, com duas sopas no estômago e diversas doenças crónicas, sem diagnóstico e tratamento. Esperamos que o diagnóstico não seja um presente de Natal”.

E assim, entre filas intermináveis e o cheiro de desespero, o Hospital de Santo António continua a ser um lugar onde a saúde se torna uma mera questão de sorte. O que nos resta é esperar que, em algum momento, alguém decida que o estado de emergência nas urgências não é uma piada, mas um grito por mudança. Até lá, os pacientes seguirão a sua estada sem fim, sem meios, sem almofadas ou mesmo lençóis, com a fé inabalável de que, um dia, alguém no hospital se lembre de que, afinal, cuidar da saúde não é só uma questão de sobrevivência, mas de dignidade.

E assim, a sobrevivência nas urgências do hospital de Santo António continua, um espetáculo de ironia e tristeza que, por mais que doa, não pode deixar de ser notado. Afinal, num lugar onde a espera é a única constante, a única certeza é que a saúde é, de fato, um luxo que poucos podem usufruir.

Sílvia Azevedo
Filha de uma mãe que poderia ser a sua