Após o Irão bombardear Israel, socialistas de toda a Ibéria apressaram-se a demonstrar sincera solidariedade. Com Israel? Nada disso: com o eng. Guterres, coitado, que acabara de declarado persona non grata pelo governo israelita e proibido de entrar no país. Além de uns espanhóis com prestígio no Rato, e do recomendável sr. Lula, o carismático Pedro Nuno Santos, por exemplo, afirmou o seguinte: “Quero manifestar toda a minha solidariedade e apoio ao Secretário-Geral da ONU, António Guterres, pela forma corajosa como tem defendido a paz e condenado todas as formas de violência no Médio Oriente. Lamentamos e repudiamos as declarações do Ministro dos Negócios Estrangeiros do Estado de Israel que atingem toda a ONU – e não apenas o seu SG. A escalada de violência tem de terminar e deve ser estabelecido um plano para a paz e para o reconhecimento internacional de um estado palestiniano, no quadro da solução dos dois Estados. Neste contexto, o governo não pode permanecer indiferente às declarações do MNE de Israel, em coerência com o discurso recente do Primeiro-Ministro nas Nações Unidas. Esperamos, portanto, uma reação oficial do governo português.”

Foi notável esta incursão do dr. Pedro Nuno pela política internacional, já que não se lhe conhece uma única opinião sobre os mísseis (“basílicos”, disse uma especialista na Sic Notícias) iranianos. Ou os rockets do Hezbollah. Ou os psicopatas do Hamas. Ou os ataques do Iémen. Quando o ainda chefe do PS espreme bem espremido o Médio Oriente, o que mais o aflige é o desrespeito da única democracia da região pelo eng. Guterres. No que toca à reacção do governo português, o dr. Pedro Nuno não precisou de esperar: sete minutos antes do seu penetrante texto no X, ou Twitter, os Negócios Estrangeiros já haviam “lamentado profundamente a decisão do Governo de Israel”. E acrescentado que a “missão” do eng. Guterres “é indispensável para assegurar o diálogo, a paz e o multilateralismo. Insta-se o governo de Israel a rever a sua decisão”. E insta muito bem.

Não se percebe o que motiva tamanho consenso entre a oposição e o governo, ou o dr. Pedro Nuno e o dr. Rangel. Patriotismo, a bela arte de exaltar um compatriota por ridículo que seja? Partilha de convicções geo-estratégicas? Pior que tudo é a hipótese de ambos acreditarem de facto na “forma corajosa” como o eng. Guterres “tem defendido a paz e condenado todas as formas de violência no Médio Oriente”, e concordarem que a criatura “é indispensável para assegurar o diálogo, a paz e o multilateralismo”.

Em primeiro lugar, o eng. Guterres não tem “condenado todas as formas de violência no Médio Oriente”. O que ele faz – recorrente e explicitamente – é condenar a título de “escalada” cada acto de retaliação israelita aos ataques de que é alvo. Quanto aos ataques propriamente ditos, o eng. Guterres, a fim de simular isenção, limita-se a lançar uns suspiros raros e difusos, por norma sem identificar os agressores. A “paz” que ele “defende” prevê por omissão a extinção de Israel e estende-se, nos guinchos dos anti-semitas, “do rio até ao mar”.

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Em segundo lugar, o eng. Guterres está longe de ser “indispensável para assegurar o diálogo”, palavra que aliás ele proferia abundantemente ao tempo em que era primeiro-ministro (com resultados espantosos). Imagine-se a mesa onde se discutiriam os eventuais acordos. De um lado, Israel. Do outro, terroristas, violadores e assassinos que não admitem a existência de Israel. Ao centro, um espécime que, assaz legitimamente, Israel considera “apoiar terroristas, violadores e assassinos”. O sucesso das negociações seria inevitável.

Não tenciono especular acerca do que leva o eng. Guterres a dizer o que diz, e a calar o que cala. É irrelevante apurar se se trata de dinheiro, carácter, ideologia, distúrbio ou chantagem. A verdade é que interesses subterrâneos (ao estilo dos túneis de Gaza), mas “descobríveis” (ao estilo dos túneis de Gaza), despejaram a figurinha certa no lugar certo. Ninguém serviria tão fielmente os propósitos da ONU quanto aquela gelatina desconsolada, sem sabor nem decência, sem pigmento nem vergonha. O problema não é o ínfimo eng. Guterres, a quem Israel fechou as fronteiras como qualquer pessoa civilizada fecharia a sua casa. O problema também não chega a ser a ONU, agremiação que há demasiados anos ergueu o “sionismo” a inimigo número um e único, e que agora já dispõe de funcionários alistados nas fileiras do terror.

O problema é o mundo, ou o rumo que a parte dita ocidental do mundo decidiu tomar. Nas mãos de líderes (?) débeis ou puros vendidos, “sensíveis” e “tolerantes”, o Ocidente teima em ceder a senhores e a culturas a que não falta vontade, que infelizmente acumulam com a escassez de escrúpulos e a intolerância radical. De um lado, “abertura”; do lado oposto, conquista. Neste cenário, a excepção é Israel, que por necessidade trava as guerras que abdicamos de sequer prevenir. Se Israel não vencer, a célebre “escalada” será igual a esta estranha época: de pernas para o ar. E vai conduzir-nos a um fundo de que não se vê retorno.