O atual ministro de educação está no ministério desde 2015, mas, ainda assim, não conseguiu desenvolver nenhum tipo de respeito pelos professores. Durante o período em que era secretário de estado e cirandava pelas escolas com aquele ar doce e meigo (sonso na realidade) era visto como alguém conhecedor da realidade, bom ouvinte, bom falante, tolerante e com boas ideias para o sistema de ensino português. Tanto foi assim que, quando foi nomeado ministro, muitos foram aqueles que tinham esperança de que as coisas poderiam mudar para melhor na sua área de atuação. Não podiam estar mais enganados. Uma verdadeira desilusão para aqueles que se iludiram e uma constatação da realidade para aqueles que nada esperavam.
Pouco mais de um ano depois, a educação vive o maior período de contestação desde sempre.
Foi apenas isso que conseguiu João Costa: colocar os professores em manifestações, vigílias, greves de toda a espécie e feitio desde dezembro de 2022.
Qual a razão para tal estar a acontecer? Vejamos.
O processo negocial iniciou-se a pedido do Ministério da Educação (ME), em setembro de 2022, mas em junho percebeu-se ao que vinha o Sr. Ministro. Nessa altura, com as declarações incendiárias sobre a mobilidade de doença, lançando suspeitas sobre a idoneidade dos professores e inclusive dos médicos, conseguiu aprovar o novo regime de Mobilidade por Doença dos professores (MPD). Regime esse que criou logo imensas injustiças pois, em vez da mobilidade por doença ser considerada um direito, passou, com o novo diploma, a ser feita em forma de concurso. Uma enorme falta de respeito para com quem está doente. Esta situação levou a que a própria Provedora de Justiça questionasse o Governo sobre a lei, que considerou “insuficiente”. Parece impossível, mas até à data de hoje o Ministério ignorou esse pedido. Um primeiro ato de enorme falta de respeito, quer na elaboração do diploma, como depois ignorando a Provedora de Justiça. Revelador? Sim, mas foi só o início de um modus operandi de um ministro que tem sido um verdadeiro incendiário.
Na primeira reunião com os sindicatos, a 22 de setembro, o ministro afirmou que tinha sido pedido um parecer relativamente à MPD e informou que brevemente haveria novidades sobre a matéria. No entanto, a realidade mostrou-nos que não só não houve parecer, como o único anúncio que fez foi sobre as 7500 juntas médicas para andarem atrás dos “malandros” dos professores. Mesmo que em março, a Provedora tenha recomendado ao Governo a aprovação de um novo regime de proteção e de mobilidade na doença, o concurso abriu em Maio último exatamente nos mesmos moldes do anterior. Sem qualquer novidade ou alteração relativamente a esta questão.
Mais, no mesmo mês de maio, o Sr. Ministro divulgou estrondosamente na comunicação social que tinham sido detectadas 20% de falsas declarações em relação às situações de mobilidade por doença! O que não revelou na mesma comunicação social, nem em em lado nenhum, foi o universo das situações investigadas! Num universo de dez situações investigadas, 20% corresponde de facto a … duas!! Revelador? Sem dúvida, mas há muito mais.
Na reunião de setembro o Ministro entendeu que existiam pressupostos nos quais parecia existir acordo (redução da precariedade e mobilidade, estabilização, redução do QZP) e afirmou que existia muito trabalho a fazer em relação ao aprofundamento de cada uma destas questões.
Mas, imediatamente na reunião seguinte, a 8 de novembro, o ministro afirma que pretende concluir brevemente a temática do recrutamento. Abre-se aqui uma negociação específica. É nesta reunião que surge a proposta dos mapas de docentes , sobrepostos às comunidades intermunicipais e áreas metropolitanas! É também aqui que se alvitra que a gestão dos docentes passe a ser feita através do conselho local de diretores.
Após esta reunião, o sindicato S.TO.P. convoca uma greve nacional de professores com início a 9 de dezembro, com a novidade de ser por tempo indeterminado. Os professores, nesta altura, percebem que a intenção do Ministro é colocar a gestão dos docentes nas mãos dos diretores, através de um Powerpoint que começou a circular e que era bem elucidativo das intenções iniciais do ministro. É aqui que se dá o primeiro sinal sindical de que o Ministro está de má fé nas reuniões e apenas se interessa por cumprir com a agenda por ele definida sem querer ouvir os sindicatos.
Prova disso é a reunião de 29 de novembro, onde a temática do recrutamento nem sequer foi abordada, optando o Ministro por discutir a contagem do tempo de serviço em creche, valorização dos docentes com grau de doutor para acesso aos 5º e 7º escalões e concurso externo para vinculação de docentes de artes visuais e audiovisuais de duas escolas
Entretanto, a 14 de dezembro de 2022, é publicada em Diário da República a Resolução do Conselho de Ministros n.º 123/2022, que determina a transferência, a partilha e a articulação das atribuições dos serviços periféricos da administração direta e indireta do Estado nas comissões de coordenação e desenvolvimento regional. Resolução essa que se mantém em vigor!
Por essa razão, o S.TO.P. organiza uma manifestação no dia 17 de dezembro, em Lisboa, onde se apresentaram mais de 40 mil professores.
Ainda antes de nova ronda negocial, foi tempo de João Costa chamar mentiroso a André Pestana, líder do S.TO.P. por este ter avançado com informações falsas. No entanto as informações eram públicas e constavam no documento que havia sido distribuído aos sindicatos e que estes fizeram chegar aos professores.
Até ao dia 9 de janeiro o Ministério da Educação ainda não tinha apresentado nenhum documento escrito com as propostas sobre um novo modelo de recrutamento de professores e apenas princípios gerais no tal documento em powerpoint. Nesta data foram anunciadas duas reuniões para 18 e 20 do mesmo mês, tendo a Fenprof e o Stop pedido que fossem antecipadas, proposta que foi recusada pelo Ministro em Coimbra.
A 18 de janeiro, com as propostas, aqui e aqui, a serem recebidas praticamente em cima da hora da reunião, mostrando enorme desprezo pela negociação, já todos tinham percebido que se tratava apenas de simulacros de negociação.
A 20 de janeiro o ME apresenta o mapa com 63 quadros de zona pedagógica, aborda a redução da burocracia, índices remuneratórios para os contratados e o acesso aos 5º e 7º escalões.
A 2 de fevereiro, o ME nem sequer se digna a entregar nenhum documento escrito na reunião e à saída da mesma entrega duas possibilidades de acordo: i) um acordo global com 10 pontos; ii) dez acordos parcelares correspondendo cada um deles a um dos pontos do acordo global.
A 15 de fevereiro, tem lugar nova reunião sobre a revisão do regime de concursos. As propostas, regime de recrutamento e novos QZP foram recebidas na véspera pelas estruturas sindicais:
A 23 de fevereiro, o ME entrega em mão nesta reunião o diploma com poucas alterações.
Nesta reunião o Ministério da Educação comprometeu-se a enviar a versão digital com as alterações que fez à proposta de diploma para a revisão do regime de concursos. Até dia 1 de março não tinha enviado.
A 9 de março terminam as “negociações” sobre o diploma de recrutamento e gestão dos docentes, vinculação dinâmica, sem que tenha sido possível chegar-se a acordo. O diploma foi aprovado em conselho de ministros a 16 de março e promulgado pelo Presidente da República a 8 de maio.
É assim que esta matéria foi dada por concluída pelo Ministério da Educação, que continuou a insistir na narrativa de que existiu negociação e cedências, pese embora a aprovação unilateral do diploma.
Objetivamente, as cedências do ministro da Educação em relação a esta matéria passaram por “deixar cair” a contratação de alguns docentes por perfis de competências, alterar a denominação de conselhos locais de diretores para conselhos de quadro de zona pedagógica, mantendo o seu conteúdo e funcionalidade, incluir os docentes das escolas portuguesas no estrangeiro e retirar a obrigatoriedade de concorrer a 3 quadros de zona pedagógica, mas introduzindo a obrigatoriedade de concorrer a todas as escolas de um mesmo quadro de zona pedagógica.
Na sua essência e globalidade o diploma mantém-se inalterado entre a versão inicial apresentada a 15 de fevereiro e a versão final de 9 de março. E por esse motivo não recebeu a concordância de nenhuma organização sindical.
Em 22 de março, nova reunião, desta feita para “correção dos efeitos assimétricos internos à Carreira Docente, decorrentes do período de congelamento”.
Na reunião de 5 de abril, o governo apresentou uma proposta que na realidade agudiza as assimetrias e discrimina grande parte dos docentes.
De março a abril repete-se exatamente o mesmo processo e a mesma narrativa que ocorreu com a aprovação do diploma sobre o modelo eufemisticamente chamado de vinculação dinâmica: sem alterações, o diploma é aprovado unilateralmente em conselho de ministros. De facto, o ministro anuncia na reunião de 15 de maio que o documento apresentado na primeira reunião não sofrerá quaisquer alterações após a negociação e será o documento final do ME! Mais uma prova de que não houve negociação!
Pelo meio desta farsa negocial existiram zero propostas ou discussões em relação a outras matérias! Por exemplo: zero propostas para a recuperação do tempo de serviço, zero soluções para a mobilidade por doença; zero redução da burocracia e respeito pelo horário de trabalho consagrado na lei, zero melhoria das condições de exercício da profissão, zero de admissão de criação de condições mais favoráveis para o rejuvenescimento da profissão e para a aposentação, zero propostas para os professores em monodocência, etc., etc. Aliás, em agosto de 2022, a Fenprof apresentou ao ministro da Educação uma proposta de protocolo negocial, identificando matérias e calendário negocial a desenvolver ao longo da legislatura. Pese embora o ministro da Educação tenha manifestado disponibilidade para a celebração deste protocolo negocial, o mesmo continua na gaveta. Dez meses depois!
Se ainda subsistem dúvidas em relação ao alegado processo negocial, destacamos o modus operandi do Sr. ministro em relação à monodocência, já que ilustra bem a postura “negocial” e de “boa fé” (como gosta de propagandear na comunicação social) deste ministro:
Pese embora esta temática tenha constado em duas ordens de trabalho (correção de desigualdade na redução da componente letiva nos grupos de recrutamento da monodocência – 22 de março e 5 de abril) nunca foram discutidas e muito menos negociadas quaisquer propostas concretas! Contudo, precisamente a 22 de março, dia em que o próprio Primeiro-Ministro, na Assembleia da República, abordou a situação dos professores em monodocência, surge divulgada na comunicação social a proposta de redução de 5 horas na componente letiva a partir dos 55 anos. Posteriormente outras duas propostas apenas divulgadas na comunicação social: um ano de dispensa da componente letiva após os 60 anos e redução total da componente letiva a partir dos 60 anos!
Fomos agora informados, pelo próprio gabinete de sua Exª o sr. Primeiro-Ministro, de que “se encontra em fase de elaboração um projeto de lei que visa alterar o exercício de funções em regime de monodocência previsto no estatuto da carreira docente”. Que ninguém conhece ou discutiu e que, naturalmente, também será aprovado em conselho de ministros sem concordância dos sindicatos.
Na realidade, tem sido assim que o ministro João Costa tem gerido as pseudonegociações. Se não é má fé, o que será? Alguém acredita nas palavras deste senhor?
Com que cara este senhor vai à televisão propagandear aquilo que sabe que não é verdade? O único intransigente neste processo todo tem sido o próprio! Pena não haver na comunicação social quem lhe consiga fazer frente com a realidade dos factos, uma vez que o Ministro tem recusado sucessivamente debates públicos, quer com sindicatos, quer com professores.
Este é o retrato vivo de um “processo negocial” que se arrasta penosamente há 9 meses. Não existiu até à data, em nenhuma outra área ou setor, seja ele público ou privado, nenhum processo negocial semelhante que tenha envolvido greves e ações sistemáticas de uma das partes envolvidas, durante todo este tempo, sem que tenha havido uma negociação séria por parte do governo. É disso que se trata. Falta de seriedade do ministro!
Veja-se os exemplos da TAP, da CP, dos enfermeiros, dos médicos que foram conseguindo processos negociais sérios e onde foi possível chegar a acordos.
Como se não bastasse todo este comportamento inqualificável, vem agora o ministro manipular a opinião pública, na comunicação social, dizendo que os professores estão a prejudicar os alunos com as greves aos exames e avaliações finais.
Atinge o ex-libris do populismo quando afirma que não deixar, devido à greve, realizar os exames é o mesmo que impedir um doente de fazer análise ao sangue!
Trata-se do mais baixo golpe na tentativa de virar a opinião de pais e sociedade em geral contra os professores! Quando o próprio ministro, mais não tem feito que arrastar este falso processo negocial há 9 meses, com o objetivo, obscuro, de empurrar os professores para esta ação extrema, que nenhum de nós deseja, mas não vislumbra outra saída.
Estamos num impasse que só o Presidente da República poderá resolver.
Chegados aqui, importa questionar desde quando é que alguém de boa fé, com vontade e interesse em resolver seriamente as questões que verdadeiramente importam faz questão em arrastar um processo “negocial” durante tanto tempo?
Por que razão nem sequer atendeu ao apelo do Presidente da República em conseguir um acordo até à Páscoa?
Por que motivo se recusa a discutir seriamente com os professores na comunicação social a situação a que chegou a escola pública?
É que, ao contrário do que afirma, o que coloca em causa a escola pública não são as greves aos exames mas as políticas educativas sucessivas e as “machadadas finais” que o sr. Ministro tem protagonizado.
O Sr. Ministro da Educação, sabia, sempre soube, que iríamos chegar a este ponto em que nos encontramos. Acreditamos até que era sua intenção. Assim, mais facilmente, consegue levar adiante a sua narrativa falaciosa e maldosa de que os professores querem prejudicar os alunos e que ele, ministro, tem cedido muito. Com esta narrativa que raramente tem contraditório, consegue que a globalidade da sociedade se vire contra os professores pois sabe que os exames e as avaliações finais são questões sensíveis para os pais e alunos. Somos os que menos queremos esta situação. Os resultados dos nossos alunos são o nosso trabalho, mas não podemos aceitar a forma desonesta, maldosa, desrespeitosa com que este ministro tem tratado a escola pública.
Somos obrigados a colocar uma questão final: será que vamos cair em mais esta armadilha do sr. Ministro, ou vamos de uma vez por todas juntarmo-nos todos, pais, escola e sociedade civil, numa só voz e dizer basta?
Sr. Ministro, ou negoceia seriamente com os professores ou demita-se!