Há momentos em que tomamos decisões de arrancar as raízes às buganvílias, literalmente e metaforicamente, para retirar sombra a espaços que precisam de ganhar luminosidade. A perda da estética que ensombra em prol da luz da renovação de um espaço, que sendo o mesmo, reganha um novo sentido. Perdas e ganhos fazem caminhos paralelos.

O espaço interno preenche-se continuamente por essa dinâmica própria dos lutos que se vão fazendo à medida que se fazem escolhas; é a história de uma escolha implicar uma renúncia ou, como diz o ditado, não se poder ter tudo.

Há alturas da vida que pode custar mais renunciar do que escolher activamente para si, mesmo até podendo ser uma escolha melhor para o próprio. Antecipar a perda é angustiante pelo sofrimento do sentimento de falta e em vez de sentir a satisfação da realização de algo novo e luminoso, fica-se petrificado e avesso à mudança. Evita-se ter de fazer lutos.

O luto aparece na sequência da tristeza perante a morte de alguém ou outro objecto significativo. A morte não tem de ser sempre efectiva mas tratarem-se de mortes simbólicas, associadas estas a momentos de vida, a transformações desenvolvimentais. Chora-se a morte da infância, da adolescência, da vida profissional activa, da responsabilidade parental, da vitalidade física, a morte de uma relação amorosa, de uma amizade, da finalização de um projecto. E sendo irreversível a morte, os processo de luto não têm de ser mortificantes nem patológicos. Afinal, quando o são, instala-se a depressão e a melancolia deve ser tratada.

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No estado do luto, o Ego está tão ocupado com essa tarefa mental difícil de elaborar o que se perdeu e fica inibido o interesse por  qualquer outa coisa que não esteja relacionada com o objecto perdido. Dá-se um desligamento da líbido e assim se explica a falta de vigor e desejo pelo que simboliza vida e o que é novo.

Um aparente pequeno luto desencadeia outros lutos. E é assim, que a despedida de uma buganvília evoca outras despedidas e outras perdas. Mas ultrapassando as fases do luto, e aceite o processo dando lugar à reconstrução e religação à realidade desigual, pode passar-se a conviver com a ausência com o recurso à presença das memórias, da história que se guarda por dentro-lugar interior onde aí nunca se perde.

A saudade de alguém ou algo inexistente pode coexistir com a vontade de andar para a frente com a vida. Não se trai quem ou o que de significativo se perdeu por encontrar uma nova disposição para construir algo de novo. Por exemplo, a criança em desenvolvimento, para conquistar a autonomia, deve desprender-se e enlutar a dependência, para se alcançar a vida adulta, largar a infância. Estes pequenos grandes lutos é que permitem o crescimento e não cristalizar num tempo que não deixa avançar e progredir o processo de amadurecimento. Sucedem-se os ciclos da vida a elaborar mortes e a celebrar vidas, perdas e conquistas, quebra de sonhos/expectativas e realizações efectivas.

Poder fazer o luto das ditas buganvílias permite também colocar em perpectiva  os feitos da vida que ficam para trás, ganhar profundidade afectiva ao fazer o balanço. Possuir uma dimensão de sensibilidade perante a beleza caída que faz chorar não tem mal. O fim alcançado era ganhar luz e ei-la, num espaço externo e interno reconfigurado.  Feito assim também o caminho do luto elaborado.

anaeduardoribeiro@sapo.pt