Se eu lhe perguntasse de que é que tem mais medo, o que responderia? Perder alguém que ama? Falhar? Ou talvez ver-se, um dia, sem significado, sem impacto, como se a sua presença se desvanecesse aos poucos? Esse receio de nos tornarmos irrelevantes – de vivermos sem deixar marca, de existir sem consequência – é um dos medos mais profundos da condição humana.
E se essa mesma inquietação, essa ansiedade pelo apagamento, se aplicasse não só a nós enquanto indivíduos, mas também ao nosso papel coletivo enquanto europeus no palco global? Num mundo onde as potências emergentes ganham força e os antigos aliados se reorientam para novos interesses, será que a Europa corre o risco de cair na sombra, perdendo a influência que tanto moldou o mundo?
A recente vitória de Donald Trump nas eleições norte-americanas marca o regresso de um líder que nunca hesitou em colocar a sua nação em primeiro lugar, muitas vezes à custa do multilateralismo e da cooperação internacional.
Como cidadão europeu, olho para este resultado com uma mistura de apreensão e expectativa. Apreensão, pois as políticas de “America First” que caracterizaram a primeira presidência de Donald Trump geraram tensões nas relações transatlânticas, desafiando as bases da cooperação que sempre uniram os Estados Unidos da América e a Europa. Mas também expectativa, porque este cenário representa uma oportunidade única para a União Europeia reafirmar o seu papel no mundo, assumir uma liderança renovada e consolidar-se como uma força de estabilidade, progresso e cooperação.
Durante o primeiro mandato de Trump, assistimos a um distanciamento dos EUA em áreas cruciais, como a NATO, o comércio e o clima. Em vez de fortalecer alianças, vimos um enfoque isolacionista que questionava os compromissos de longa data e expunha a Europa a novas vulnerabilidades.
No entanto, os desafios do passado devem também preparar-nos para o que pode estar para chegar. A União Europeia tem agora uma oportunidade real de consolidar a sua autonomia estratégica, de fortalecer as suas instituições e de se apresentar ao mundo como um pilar de paz, estabilidade e respeito pelos valores democráticos. Como afirmou a presidente do Parlamento Europeu, Roberta Metsola, “a União Europeia precisa de agir com força e unidade para proteger o nosso modo de vida e garantir a nossa segurança numa era de novos desafios globais.” Este momento exige que a Europa afirme o seu papel no palco mundial, não como uma figura secundária, mas como um ator central e independente.
O regresso de Trump coloca a União Europeia perante um conjunto de desafios que não podemos ignorar.
Em primeiro lugar, a questão da segurança e defesa ganha novo relevo. Durante o seu primeiro mandato, Trump questionou publicamente o papel da NATO e a contribuição europeia para a organização, algo que sem dúvida poderá voltar a acontecer. A Europa precisa de se preparar para uma possível diminuição do compromisso norte-americano com a defesa do continente. Como solução concreta, a Europa deve investir na criação de uma Força de Intervenção Europeia conjunta, que garanta a sua capacidade de resposta autónoma a ameaças emergentes. Tal medida poderia ser iniciada através de um reforço do PESCO (Cooperação Estruturada Permanente), uma estrutura de defesa europeia projetada para fortalecer as capacidades militares dos países membros.
Em termos económicos, a Europa deve estar preparada para enfrentar políticas proteccionistas que sempre caracterizaram a visão de Trump. Uma nova ronda de tensões comerciais entre os EUA e a UE poderia prejudicar as economias europeias, já fragilizadas pela recuperação pós-pandemia. A resposta estratégica passa por reforçar parcerias e reduzir a dependência dos EUA, promovendo novos acordos comerciais com economias em crescimento, como a Índia, e aprofundando relações com parceiros africanos. A este respeito, a própria presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, afirmou que “a Europa precisa de se manter aberta ao mundo, mas equipada com instrumentos que defendam os seus interesses”.
No clima e nos direitos humanos, a Europa também corre o risco de ver os EUA recuarem no Acordo de Paris e noutras iniciativas globais de sustentabilidade e justiça social. Este é o momento para a Europa se posicionar de forma clara e assertiva, assumindo a liderança em questões de sustentabilidade e direitos fundamentais. Em termos concretos, a UE pode intensificar o seu apoio financeiro a países em desenvolvimento para a transição energética, consolidando-se como o maior investidor em fundos climáticos globais, como o Green Climate Fund. Além disso, a UE poderia desenvolver uma legislação específica que responsabilize as empresas por violações de direitos humanos nas suas cadeias de abastecimento, promovendo uma abordagem ética ao comércio à escala global.
Ora, se, por um lado, o regresso de Trump representa um desafio, por outro, oferece à Europa a oportunidade de evitar o risco – cada vez mais certo – de se tornar irrelevante. A União Europeia tem tudo para se afirmar como líder em inovação e sustentabilidade, demonstrando que é possível promover crescimento económico e proteger o planeta.
Hoje, a UE já lidera no desenvolvimento de políticas ambientais ambiciosas. O Pacto Ecológico Europeu, um dos mais abrangentes planos de sustentabilidade a nível mundial, compromete-se a alcançar a neutralidade carbónica até 2050 e a reduzir as emissões de gases com efeito de estufa em pelo menos 55% até 2030. Além disso, iniciativas como o Fundo para uma Transição Justa e o Horizonte Europa mobilizam centenas de milhares de milhões de euros para apoiar inovação tecnológica e práticas sustentáveis em todos os setores, desde a energia até à agricultura.
Segundo o Banco Europeu de Investimento, a economia verde poderá representar uma criação líquida de emprego significativa na Europa, com o potencial de gerar cerca de 1 milhão de novos postos de trabalho até 2030.
Reforçar o multilateralismo e o diálogo também deve ser uma prioridade. Numa era de tensões e fragmentação, o mundo precisa de vozes comprometidas com a cooperação e o respeito pelo direito internacional. A Europa deve aproveitar a oportunidade para liderar pela paz e pela justiça global, tornando-se a estrela polar de um sistema internacional que promove a ordem e não o caos. Uma iniciativa concreta seria a criação de um Fórum Europeu para o Multilateralismo, onde a UE pudesse colaborar com países da Ásia, África e América Latina para reforçar uma diplomacia baseada em regras.
Se a União Europeia não tiver a capacidade de responder a estes e outros desafios, está a condenar-se à irrelevância total e ao estatuto de observador no xadrez político mundial. A recente vitória de Donald Trump lembra-nos que não podemos depender indefinidamente das alianças do passado e que o futuro exige uma Europa mais resiliente, mais independente e mais confiante no seu papel global.
A próxima década deve ser de afirmação europeia, de fortalecimento dos nossos valores e de compromisso com o futuro. Mais do que nunca, precisamos que a União Europeia seja um farol de cooperação, paz e progresso global.