Eu nem ia escrever sobre a história deste dia que é por de mais conhecida. A 5 de Outubro de 1910 cai, quase sem resistência que não a das Baterias de Queluz lideradas por Paiva Couceiro, do Regimento de Infantaria 2 e da Unidade de Lanceiros e poucos mais, o regime monárquico e instala-se a República em Portugal.Na década seguinte, algumas tentativas, de maior ou menor dimensão, tentam repor a monarquia mas sem êxito. Em Janeiro de 1919 com a Revolta de Monsanto ficava resolvida a questão do regime que culminaria anos mais tarde em 1932 com a morte em Inglaterra do Rei D.Manuel II. Salazar, o Estado Novo e a desorganização dentro do movimento monárquico fizeram o resto. São esses os factos.

Mas depois lembrei-me de uma fotografia que por cá anda, de um avô de olhos azuis que nunca conheci mas com cujas histórias cresci. A rir, com um saco na mão e braço de alegria no ar a sair de uma prisão. Um dos que durante essa tal década nunca descansou. Filho de um Ajudante de Campo e Oficial às Ordens dos Reis D.Carlos e D.Manuel II, Oficial do Cavalaria por convicção esteve desde o início envolvido nas várias incursões monárquicas no norte do país e foi um feridos de Monsanto. Preso na Penitenciária, em S.Julião da Barra,no Castelo de Lisboa e no Lazareto na Madeira, julgado e evidentemente demitido por conta própria. Os outros presos políticos de que ninguém fala.

Deixou-nos umas deliciosas memórias desses tempos. Nelas, para além da descrição do que ia acontecendo, sempre com o cuidado do rigor no registo para a história, há as histórias do rato de estimação ou de um pássaro que entretanto aparece, do sotaque de cada um, das caricaturas de todos, dos “trabalhos” porque iam passando. E as tais amizades para a vida.

Acho que é esta a sua grande lição. Não conseguiu, mas tentou e pagou bem caro por isso. E sempre, ao que parece com uma grande serenidade. Que ele lá em cima fique a saber que é também a esse tempo que esta sua neta mais nova, que ele nunca chegou a conhecer e que não tem os olhos azuis lindos que ele tinha, volta uma e outra vez em tempos menos fáceis. É que mais de cem anos depois continua a ser tudo, e como sempre, uma questão de consciência.

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Ele e outros tantos, talvez a última geração portuguesa que de uma forma inorgânica combateu por um ideal. E lutaram até ao fim. Só não sei se alguma vez se conformaram. Com o resultado e com o abandono de quem também devia.Em tudo o que ficou escrito, mesmo nas trocas de correspondência entre eles não há ali um pingo de dúvida ou de receio, se quiserem, quanto ao que os esperava. Nada disso importava. Se não conseguissem, teriam feito o seu dever, o de defender aquela visão de país na qual acreditavam. Falhavam as chefias, falhou o apoio de quem não podia faltar e não voltou. Mas eles continuaram. Porque o Ideal se sobrepunha. Não contra ninguém, mas por alguém, as gerações que a eles se seguiriam. A minha, por exemplo.

Depois cada um foi de uma forma ou outra à sua vida sem perder a ligação que fica entre camaradas de armas.Dias e dias, meses e meses longe de tudo, um espírito de união que só se atinge em cabeças assim. Não queriam comendas nem recompensas oficiais. Desprezavam gente como essa.Coisa quase incompreensível hoje para muitos como se vê.

Escreveu ele” Pela cabeça e pelo coração, marquei uma orientação na vida e procurei sempre não me afastar dela. Fiz bem? Fiz mal? Só sei que se pudesse recomeçar agora a vida procuraria fazer muitíssimo mais doque o que fiz. Deixei muita coisa por ser assim. Mas antes isso que mudar a minha maneira de pensar,abalando as minhas convicções, assistindo inactivo ao desmoro nar de uma nacionalidade que se afunda. Salvei a minha dignidade, conservei a mesma alma e a mesma fé e a esperança em melhores dias.”

Nestes tempos de agora tão sem rumo e em que as principais Instituições do regime são postas em causa é a este espírito que vale a pena voltar. Ao exemplo deles. Viver e lutar por um bem maior que mais não era e é que Portugal.

E pronto, sempre acabei por escrever. Não exactamente sobre a narrativa do dia, mas com uma história daqueles que a viveram e que,  de algum modo, cá continuam.

O combate hoje faz-se é de outra maneira.