O problema principal do ministro da Economia António Costa Silva é o mesmo do Governo do PS e de António Costa. Prosseguem tantos objectivos diferentes que no final do dia não existe nenhum objectivo determinante que guie o País. Ou seja, fala-se de tantas estratégias diferentes e para tudo, que o País está à deriva sem nenhuma estratégia. Trata-se de uma certa incapacidade de fazer escolhas, a qual resulta da pouca vivência dos governantes no mundo real da gestão, nomeadamente no sector industrial. O próprio António Costa Silva viveu encapsulado no sector dos petróleos, com tempo para ler muitos artigos científicos sobre as tecnologias do futuro, mas sem a experiência de fazer as escolhas certas. O seu texto inicial de 150 páginas demonstra-o.
O ministro deu recentemente uma entrevista ao jornal Público onde esta característica trágica do pensamento ministerial resulta bem clara. Perguntado inteligentemente pelo jornalista: “Temos 53 agendas mobilizadoras. Há prioridades quando se têm 53 agências?”. A resposta do ministro é directa: “ No inicio, o desenho era para dez agências. As 53 resultaram de uma resposta maciça do sistema empresarial e do sistema cientifico.” O jornalista não desistiu e mais à frente voltou a perguntar: “Deixe-me perguntar de outra maneira: se fosse a sua empresa, poria 53 equipas ao mesmo tempo a trabalhar na transformação”. A resposta do ministro é cândida mas verdadeira: “Provavelmente não, tinha foco em cinco/seis temas. As coisas são mais fáceis assim. Este sistema, que é o que nós temos, é um sistema que herdei e continuei a trabalhar. Vamos fazer o mais possível disso”.
Ou seja, o ministro/empresário com experiência de gestão, com sonhos sobre as grandes tecnologias existentes no globo, converteu-se rapidamente ao sistema de António Costa. Confrontado ainda com o caso de Espanha, de uma visão mais concentrada em 11 objectivos no PRR espanhol, a resposta do ministro é edificante: “Não foi na minha altura que esses aspectos foram decididos, apanhei o processo já em andamento e concordo basicamente com a abordagem que foi feita.” Uma no cravo e outra na ferradura diz o povo, para depois o ministro continuar a fugir a qualquer responsabilidade atirando a decisão para os empresários que, obviamente, têm os seus próprios projectos e interesses, mas que não podem servir de alternativa a uma estratégia global de mudança para o País, que é a função do Governo. Assim diz o ministro: “Não é o Governo que vai fazer essas transformações, são as empresas que investem 7600 milhões, e o investimento público é de 3000 milhões.” Qual é então o papel do Governo?
O ministro entra depois no seu modo preferido de discurso, que é a venda de sonhos sem qualquer relação com a realidade. Exemplo: “Tudo o que os espanhóis estão a fazer, nós vamos fazer em Portugal, Vamos ter a nossa fábrica de baterias eléctricas para carros, a nossa gigafactory. Já atraímos o investimento internacional.” Quando perguntado se “Isso não está apenas em estudo?” o ministro responde longamente: “Penso que vai mesmo acontecer. Estamos a trabalhar nos semicondutores. Temos a nossa empresa Quimonda, que tem exactamente uma agenda para os semicondutores, e vamos desenvolver as relações internacionais para tentar potenciar isso. Temos confiança nas empresas e nestes consórcios. Já assinámos 33 contractos e há 3 que estão preparados. Uma grande preocupação é a conversão do sector automóvel para a mobilidade eléctrica, o que envolve a indústria de componentes. A Stellantis vai construir um carro eléctrico em Portugal em Viseu. Estamos a falar com a Volkswagen, estamos em conversações avançadas e, portanto, espero que também fique sediada no país a fabricação dos carros eléctricos. Temos um grande investidor internacional que vai instalar numa fábrica de baterias. Mas temos de ter toda a cadeia, desde a extração do lítio até à refinação, as baterias e depois a economia circular”. Estranhamente o ministro não fala em ferrovia, condição essencial para a atracção desses investimentos.
Desde as 150 páginas do seu documento inicial, que continha ideias para todos os gostos, a experiência governativa de António Costa Silva ainda não o fez descer à terra e a definir uma estratégia para a mudança que, tal como propus neste jornal há dois anos, tivesse o objectivo de concentrar o investimento em apenas alguns grandes desígnios nacionais, no meu caso apenas dois: Educação e Industrialização. Razão porque este ministro, com a vastidão das suas ideias e das suas muitas contradições, não vai chegar a lado algum e, com ele, será o Plano de Recuperação e Resiliência que representará mais uma oportunidade perdida de usar bem os fundos comunitários.
Algo já aprendeu todavia o ministro da Economia na sua curta permanência no Governo de António Costa, quando diz: “Agora, nós temos em Portugal um problema que é uma espécie de incapacidade de acção colectiva. Todos nós dizemos que é preciso mudar. Mas depois temos fraca crença na nossa capacidade colectiva para mudar. E esse desafio não é só do Governo , é de todo o País.”
Aparentemente, António Costa Silva não se deu conta de que o País já mudou para melhor muitas vezes na sua história, no que se resume essencialmente a uma questão de liderança. Por exemplo, nos períodos da EFTA e do PEDIP/AutoEuropa, talvez não por acaso, com os mesmos três recursos usados em ambos – investimento estrangeiro, indústria e exportações – demos saltos notáveis no nosso processo de desenvolvimento. Por exemplo: no segundo caso as exportações de componentes do automóvel eram então de cerca de 300 milhões de euros por ano, quando no ano passado foram de 10.000 milhões de euros. Talvez, porque em ambos os casos, os dirigentes de então sabiam exactamente o que queriam e não sonharam para além do necessário, tendo porventura preferido ter menos ideias a favor de uma maior capacidade de concretização.