Ainda faltam quase três meses para as eleições e já tudo isto se tornou um suplício. O país que, como nunca, teve a fórmula «um Governo, uma Maioria, um Presidente» bem consolidada, viu este tripé político ruir por manifesto amadorismo e infantilidade dos seus intervenientes. A partir de agora, provavelmente, nem Presidente, nem maioria, e sabe Deus que Governo. Para pintar de forma mais colorida o burlesco, todos clamam pelo argumento da estabilidade. Como se ela alguma vez tivesse estado em causa.
A revolução necessária seria mais cultural e institucional do que outra coisa qualquer. Seria, de resto, um absurdo se voltássemos a cair naquela fórmula em que, por falta de alternativas dentro do sistema, se provoca a ruptura, a qual, por sua vez, funciona sempre como método para baralhar e voltar a distribuir um jogo igual ou semelhante. É, aliás, esse o risco dos populismos de que entre nós se fala: entre a ruptura do colectivismo, à esquerda, e a ruptura do caudilhismo presidencialista, à direita, ambas entalando o estertor do centrão, mais paralisado que nunca, nada disto parece ser solução. O mais fascinante é que esta falta de solução se tornou, ela própria, a solução.
Repare-se como nada parece enervar, mesmo que levemente, o país. Os partidos continuam a falar «dos pobres», e o país encolhe os ombros, sem saber bem do que se trata. Suspeito mesmo que sejam poucos os portugueses que ouçam falar de pobreza nas televisões e pensem: «olhem, finalmente estão a falar de mim e dos meus problemas». Enquanto a política se agita em slogans, propostas e programas, a larga maioria do país, nas grandes áreas metropolitanas, está ocupada no seu lufa-lufa diário, lutando por um emprego que detesta e não particularmente bem pago, e passeia-se, aos fins-de-semana, pelos centros comerciais da periferia, vendo as montras do que não pode comprar e comprando irrelevâncias que a carteira ainda suporta. Talvez em Portugal se gaste mesmo muito dinheiro para se esconder que não se tem dinheiro – ou talvez se declarem salários muito abaixo dos realmente praticados, ou se viva muito com dinheiros dos pais, sabe-se lá o que se passa ao certo num país de esquemas. Mas poucos se chamarão a si próprios «pobres». Grande parte do discurso político parece, para os ouvintes, feito a respeito de outras pessoas que não os próprios. É um fenómeno talvez estranho de compreender, mas já não tenho muitas dúvidas sobre isso.
Não é preciso ser particularmente atento para se compreender que o país não deseja mudança nenhuma, e que se a política mudar, em termos partidários, o povo por fim se levantará se lhe acenarem com a mais ligeira mudança. Haverá quem julgue que os portugueses são conservadores, na medida em que, como explicava Miguel Esteves Cardoso, o conservador chora para entrar no banho e chora para sair do banho. Talvez sejamos mais como a rã na panela, com a água em processo de aquecimento lento. A Europa garante que a água não chega a ferver, o status quo nacional assegura que a água não arrefece demasiado. E o país parece estar eternamente morno, algures entre a miséria dos países mais pobres e a riqueza económica e cultural dos países mais ricos. É um contentamento com a banalidade que só descontenta meia dúzia de tontos – é o meu caso, estupidamente.
De facto, o argumento da estabilidade é um absurdo. Não há nada mais estável que a mediocridade. E as fórmulas governativas não influem na estabilidade, que é muito mais profunda do que a política. Talvez por isso o PSD se tenha aproximado do discurso das «coisas boas» e do «tudo para todos» que, como alguém disse em tempos, acabará sempre no «nada para ninguém». Pouco importa. Em Portugal tudo se resolve, a tudo se dá um jeito, só a morte é que não tem solução. E que bom é ter um filho que está «a trabalhar lá fora». O país é estável, mais que estável, estabilíssimo, continuará a sê-lo e assim sucessivamente. É uma espécie de país Tiririca, que pior do que está nunca fica porque mesmo quando empobrece, mesmo quando estagna, mesmo quando embrutece, parece sempre confortar a maioria das almas. É o nosso portugalinho, «o melhor país do mundo», por entre fatos de treino, prédios com bolor e casinhas muito queridas, muito medonhas, em que se diz, logo no início de Dezembro, com a naturalidade dos estúpidos, que «agora mete-se o Natal, de maneira que só em Janeiro».
A estabilidade de que se fala é a respeito de Governos duradouros, bem sei. Mas o país podia mudar de Governo a cada dois anos que a estabilidade continuaria assegurada. Marcelo e Costa foram, durante 8 anos e 3 Governos, a representação política perfeita deste espírito imbecil. Com ou sem eles, esse espírito terá a sua representação assegurada por longos anos. Não se iludam. A Europa paga.