Na quinta-feira, o dr. Costa escreveu no Twitter: “Tive com o Presidente da República da Eslovénia e tivemos uma excelente e amigável reunião de trabalho”. Desconheço o idioma em que a excelente e amigável reunião decorreu, mas rezo aos santinhos para que não fosse o português. Numa única frase, o dr. Costa conseguiu incluir “tivemos”, do verbo “ter”, e “tive”, do verbo “tar”, sem perceber que um dos vocábulos apenas cabe nas sofisticadas conversas mantidas pelas altas esferas do PS.

Vendo bem, pouco surpreende num sujeito que diz “verdeira” (queria dizer “verdadeira”), “poder-lhe-dizia” (“podia dizer-lhe”), “competividade” (“competitividade”), “prelenamente” (“plenamente”), “insintizamos” (“sintetizamos”), “era o que eu estou” (“era o que eu estava”), “pulação” (“população”), “arrepatação” (?), “badéfice” (“défice”), “protividade” (“produtividade”), “mobilição” (“mobilização”), “precalidade” (“precaridade”). E isto numa única ocasião, uma intervenção no parlamento há cerca de um ano (encontra-se facilmente na “net”, sob o adequado título “António Costa desafia Jorge Jesus para um duelo de português”). O dr. Costa escreve como fala e, para nossa miséria, provavelmente fala como pensa.

Mesmo se acertasse na grafia ou na fonética, as palavras que compõem o discurso do dr. Costa são escassas e, em geral, horrendas. “Competitividade”. “Desafio”. “Sustentabilidade”. “Estreitar”. As expressões são ainda piores: “prestação operacional”, “fazer renascer”, “aposta estratégica”, “coesa e competitiva”. Se adicionarmos a desastrosa pontuação (“Reuni hoje em São Bento, com o Primeiro Ministro [sic – nem o próprio cargo escapa à razia gramatical] da Grécia.”), é inevitável que cada texto do homem constitua uma portentosa colectânea de vacuidades, para cúmulo quase sempre mentirosas. O que vale ao dr. Costa é o inadvertido sentido de humor, talento que, em Setembro passado, o levou a louvar a língua portuguesa na ONU. Meses antes, incitara os professores de português a partirem para França – um óptimo conselho, já que, a julgar pelo dialecto do primeiro-ministro, há décadas que aqui não andam a fazer nada.

Muitos acharão que, sendo o dr. Costa um indivíduo que usurpa as eleições para alcançar o poder, abre o poder a forças totalitárias, derruba a austeridade através do generoso aumento dos impostos, nacionaliza subtilmente o que se mexe e o que não se mexe também, regulamenta os comportamentos e não tarda a respiração, compra parcelas da sociedade mediante benesses e a devastação do resto, controla os “media” que consegue controlar e censura o que não controla, subtrai à ralé para resgatar compinchas e “elites” e despreza com estranho descaramento tragédias inéditas, o pormenor dos atentados lexicais é só um pormenor, um anexo, um pechisbeque minúsculo e até divertido. Não é. Sem o analfabetismo, acumulado em militância partidária de décadas, seria improvável que alguém cometesse as proezas acima descritas. A espectacular ignorância da criatura é essencial para compreender a criatura e as respectivas acções.

A História, claro, prova que a sabedoria não garante a virtude. Porém, não faltam histórias sobre a facilidade com que a boçalidade extrema propicia a malvadez, e assegura calamidades proporcionais à influência do boçal. O mito do “bom selvagem” é exactamente um mito. Por definição, o selvagem – incluindo aquele a quem se vestiu um fatinho e largou no Rossio às gargalhadas – é manhoso, cruel e incapaz de experimentar empatia. O selvagem torce a realidade até esta se encaixar nos seus pobres delírios. O selvagem confunde delírios com princípios e convicções com apetites. O selvagem é mau. O selvagem é péssimo. Reduzido ao primitivismo, o ser humano dedica-se a uma actividade exclusiva: a sobrevivência, à custa de tudo e de todos.

A fim de chegar onde pretende, e onde o seu turvo discernimento exige, o selvagem faz (com previsível brutalidade) o que é preciso e diz (com previsíveis calinadas) o que era escusado. Além de atropelar a língua, e justamente por causa disso, o selvagem atropela o que calha. O selvagem fica impecavelmente numa jaula. Às vezes, o azar coloca-o num trono. Numa ocasião ou noutra, nem países civilizados escapam a cair nas mãos de um puro, rematado e perfeito selvagem. No Portugal recente, cujo nível civilizacional está aberto a debate, essa negra hipótese era uma fatalidade adiada por milagre. É evidente que os milagres acabaram. Tamos desgraçados.

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