Nos últimos dias e semanas, após uma progressiva escalada de um conflito no leste europeu, temos assistido, estupefactos e incrédulos, a um confronto bélico que nos escandaliza e envergonha. Trata-se de oposição armada entre a Federação Russa e a Ucrânia, ou de uma operação militar especial de manutenção da paz (para aqueles que apresentam uma tendência soviética), ou simplesmente de uma guerra (para bons entendedores a quem uma palavra basta e não necessitam de eufemismos que nada mais fazem que camuflar a essência da questão). Existe, contudo, um terceiro país neste conflito, que tem uma longa história de participação em guerras, nomeadamente de ter sido invadido por diversas vezes por países vizinhos, nomeadamente pelas mãos da União Soviética comunista e da Alemanha nacional-socialista, ambas no século XXI.

Enquanto os nossos olhos se tendem a focar nas partes mais ativas do conflito, e apesar de existirem várias notícias a acompanhar o êxodo das vítimas deste conflito, poucos compreendem a solidariedade manifestada pelo povo polaco. A sua ação decorre de uma recordação dolorosa ainda presente; as suas cicatrizes ainda não sararam por completo e ainda sofrem com o espetro da guerra, da fome e da morte. Por isso, precisamente por saberem as marcas que a guerra deixa no corpo e no espírito, transcendem os limites das suas possibilidades, procurando não deixar ninguém desprotegido, seja com um buraco no estômago ou no peito, seja sem teto ou com um teto de fumo e destroços sobre as cabeças. É esta a sua forma de estar no mundo, personificam como nenhum outro povo que conheço a essência dos valores humanos de solidariedade, misericórdia, caridade e amor ao próximo: aquilo que fazem hoje não resulta da sazonalidade ou das circunstâncias de uma guerra num país vizinho (eu mesmo senti o seu acolhimento em 2016, tempos que consideramos terem sido de paz), mas da sua própria natureza.

O povo polaco, infelizmente habituado ao sofrimento e à dor, ainda se lembra dos tempos em que foi oprimido e poucas mãos lhes foram estendidas. Caminharam, por muito tempo, sozinhos e desamparados, deambulavam entre lágrimas, chagas e ruínas. É por isso que, agora, dão ao mundo uma lição de empatia e oferecem tudo a todos aqueles que nada têm, sacrificando o próprio bem-estar, que tanto custou a conquistar, em nome de um valor imensamente maior: conservar a humanidade e ser a esperança de que ainda possa existir, na medida do possível, um final feliz.

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