Uma das minhas maiores lacunas enquanto cidadão português é o facto de perceber muito pouco de vinho, condição que me debilita socialmente e me obriga a socorrer-me de mecanismos de sobrevivência que me salvem da vergonha pública de não saber identificar castas, aromas frutados ou estágios em carvalho.

Desde há vários anos, sempre que sou o infeliz contemplado com a carta de vinhos num restaurante, foco automaticamente a minha atenção na coluna da direita, onde está a informação realmente decisiva para a minha escolha. Sendo-me relativamente indiferente, em função da minha iliteracia vínica, se se trata de reserva ou monocasta, a minha tábua de salvação está invariavelmente em acreditar que o preço será um graduador de qualidade – quando tantas vezes não o é.

O método é sempre o mesmo: anulo automaticamente as duas referências mais baratas (ninguém gosta de dar o ar de que só escolhe o mais baratucho) e, a não ser que a ocasião seja de celebração, desconsidero igualmente o terço superior da lista (também ninguém gosta de dar o ar de que é despesista). De entre as três ou quatro opções sobrantes o método ancestral do um-dó-li-tá faz o resto.

Acredito que este truque, ou outros semelhantes, seja utilizado por mais ignorantes envergonhados como eu, que vão resistindo na clandestinidade vínica protegidos pelo elemento preço. No vinho como em tantas outras áreas.

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A verdade é que somos educados a olhar para o preço como o elemento sagrado da equação económica, relativamente ao qual somos sempre brutalmente racionais, quando na verdade raramente o somos totalmente.

Poucas vezes, enquanto consumidores, somos detentores de um grau de informação suficiente para tomar uma decisão completamente racional. E o mais fascinante é que, até quando temos essa informação, com frequência não a tomamos. Muitas vezes o nosso lado emocional já assumiu que quer um determinado produto, cabendo então ao cérebro encontrar os elementos racionais que fundamentem a decisão que já foi emocionalmente tomada, para que nos pareça que tomámos uma decisão refletida e com isso possamos sossegar a nossa consciência de consumidor.

Embora todos saibamos disto, a verdade é que o tecido económico português, na sua esmagadora maioria, continua a olhar para o preço de venda como um inelutável múltiplo do preço de custo e não como o espelho daquela que é a perceção de valor que a maioria dos consumidores fará daquele produto (onde é premiado o mais importante dos fatores de produção, o da propriedade intelectual). Com isto, não raras vezes, acabam por colocar na etiqueta um valor que vai adjetivar negativamente o produto, afastando o mercado. “Pelo preço que é não pode ser grande coisa”, já todos dissemos a nós mesmos em algum momento como forma de justificar a recusa de um produto.

Ainda que pareça absurdo, aumentar o preço de um artigo pode ser muitas vezes a melhor forma de lhe aumentar as vendas, pela simples razão de que lhe aumentamos a perceção de valor para um patamar suficientemente atrativo para a maioria do mercado. No caso da economia portuguesa, a subida do patamar de preço apenas traria um qualificador mais justo à qualidade que já pré-existe.

Nenhum dono de uma marca de vinho deveria querer estar nas últimas linhas da carta de um restaurante, pois muitos ignorantes envergonhados o vão preterir sem base noutro critério que não o (paradoxal) facto de ser o mais barato, podendo até ter (e com probabilidade terá) mais qualidade do que opções mais caras.

Devemos deixar, enquanto país, de ter orgulho em ser baratos ou até de cumprirmos de forma exímia com o chavão de ter boa relação qualidade/preço. Nunca ninguém disse isso da economia italiana ou da francesa e não consta que eles se sintam ofendidos com a omissão.

Portugal tem um problema de falta de valor acrescentado, que é uma formulação sexy para dizer que temos um problema de preço. Esse problema resulta em margens más, que, para lá de ser uma contradição para um país pequeno e com tanta História, nos deixa totalmente permeáveis em contextos inflacionistas como o que estamos a viver, colocando as empresas no fio da navalha.

Vendemos mal e vendemo-nos mal, sobretudo por estarmos há décadas viciados num modelo que se auto convenceu de que o único caminho é vender barato, na apologia de uma racionalidade que é em rigor totalmente irracional, não só porque colide com as características naturais do país, mas também, e sobretudo, porque se esforça por esquecer a enorme quantidade de decisões totalmente irracionais que todos os dias tomamos.

Não será a chave para uma economia mais forte, com melhores salários e menos permeável a ventos inflacionistas trabalhar mais para os momentos irracionais?