Passou mais de um ano desde o momento que todos pensávamos que nunca mais voltaria: o momento em que uma grande guerra irrompe na Europa – embora na sua parte mais oriental – envolvendo exércitos de centenas de milhar de pessoas, cujo confronto já causou a morte de dezenas de milhar (se não centenas de milhar) de homens, mulheres e crianças. Um evento deste tipo suscita sempre muitas declarações conflitantes – tanto racionais como irracionais, pensadas e irrefletidas inteligentes e absurdas, justas e injustas. Tanto condenações resolutas como afirmações estruturadas e, portanto, mais conceptuais.

Tenho certeza de que expresso a atitude de um número não pequeno de pessoas quando digo que nós, na esfera pública, testemunhamos uma sub-representação totalmente indesculpável de tristeza, de genuína indignação, de incompreensão sobre como se permitiu tal coisa acontecer, do desespero de nada poder fazer, da sensação de impotência perante líderes mundiais que falam, mas não agem.

Estes são certamente os sentimentos de quem realmente sofre, de quem está gravemente ferido, de quem está a morrer. Mas não têm, no entanto, nenhuma maneira de influenciar a situação. O mundo, ou pelo menos o mundo ocidental com o qual nos identificamos, está à espera. Os políticos fazem declarações contundentes (sobretudo pensando na opinião pública interna ou na próxima eleição), mas nada fazem para impedir a guerra.

A desculpa de que nada pode ser feito não é sustentável. Parece ser mais uma espera de que as coisas se resolvam por si e, ao mesmo tempo, uma crença de quem aguarda que o agressor – se enviarmos mais e mais armas para a Ucrânia – venha a perder. Será horrível, destrutivo, totalmente inaceitável e injustificável, mas, ainda assim, apenas uma guerra relativamente “pequena” e imparável por ser principalmente parte de algo muito maior? Será algo que realmente não pode ser parado?

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Não será parte de uma luta pela hegemonia no mundo de hoje, da qual a parte oriental e predominantemente russa da Ucrânia é talvez uma vítima acidental? No século passado, a luta pela hegemonia mundial era em grande parte movida pela ideologia, pela competição entre comunismo e capitalismo (palavra que muitos actualmente pronunciam com um sentimento de constrangimento), mas isso não acontece agora. Hoje trata-se mais de “meros” interesses hegemónicos.

Está longe de ser a primeira vez que isto acontece na história. Foi descrito por vários historiadores, e mais recentemente por um bom amigo meu, o professor de Harvard, Graham Allison no seu livro Destined for War: Can America and China Escape Thucydides’s Trap?. Esta “aula” a partir do seu relato da Guerra do Peloponeso entre uma Atenas em ascensão e a antiga hegemónica Esparta tem certamente algo a nos dizer hoje.

Nas guerras, há mais do que apenas vitórias e derrotas totais. Há também negociação e busca de compromisso. E se não há força e coragem suficientes para tal negociação, há – e deve haver – pelo menos um esforço para parar os combates, para procurar um cessar-fogo. Por que razão a expressão “cessar-fogo” está ainda completamente ausente? Porque é o “cessar-fogo” retratado (e, portanto, caricaturado) como apaziguamento, como algo errado a priori? Por que razão a forte declaração de Churchill contra Hitler é tão levianamente usada na argumentação de hoje? Costumo citar Stefan Zweig. É relevante ainda agora: “Aqueles que correm mais furiosamente para a guerra são desertores por sua própria responsabilidade, não heróis por um sentido de dever” (da sua Impaciência do Coração).

As gerações dos meus pais e avós também levantaram as mesmas questões há oito ou nove décadas. Devemos, no entanto, parar por um momento e perguntar se estamos hoje na mesma situação.

Não poderia imaginar – como Zweig – que viveria para ver uma época em que carregar canhões e disparar as suas munições seria outra vez a mais comum imagem mediática exibida quase continuamente em todos os canais de TV. Existirá alguma maneira de parar esta situação? Estou convencido de que deve ser interrompida.

Nota editorial: Václav Klaus é Economista e Professor de Finanças. Foi presidente da República Checa de 2003 até 2013 e primeiro-ministro entre 1992 e 1997. Intelectual de reconhecida craveira internacional, é um dos mais importantes políticos europeus desde a queda do comunismo.

Os pontos de vista expressos pelos autores dos artigos publicados nesta coluna poderão não ser subscritos na íntegra pela totalidade dos membros da Oficina da Liberdade e não reflectem necessariamente uma posição da Oficina da Liberdade sobre os temas tratados. Apesar de terem uma maneira comum de ver o Estado, que querem pequeno, e o mundo, que querem livre, os membros da Oficina da Liberdade e os seus autores convidados nem sempre concordam, porém, na melhor forma de lá chegar.