Não, não estamos de regresso às aulas. Estamos de regresso à escola. Ou – talvez, melhor – de regresso ao futuro. Ainda com limitações e com máscaras. Por mais que, aos olhos daquilo que se sente e se discute, o ano lectivo pareça começar, como sempre, com os mesmos rituais. São os novos livros e todo o outro material escolar. A aflição de encaixar aulas, actividades extracurriculares e agendas. São as apresentações. A definição de regras. E a excitação dos reencontros. Mas será este ano lectivo igual aos outros que ficaram para trás? Não; claro. Porque vimos de dois anos turbulentos de escola. Vimos do confinamento para as aulas presenciais. Vimos de um afundamento significativo que as assimetrias sociais trouxeram às desigualdades escolares para o constrangimento que, hoje, por mais que queiramos o contrário, não é mais possível iludir. Vimos de um certo iô-iô de métodos de avaliação e de classificações escolares; sobretudo no último ano lectivo. Vimos de uma escola que se agilizou em termos de métodos de comunicação, de fervilhar criativo e de capacidade de inovação para uma rotina que não pode transformar-se numa espécie de desconforto de estarmos a pôr o tempo a andar para trás. E vimos duma parceria pais-escola vivida numa cumplicidade única, para um dia a dia que se arrisca a retomar tensões antigas ou velhas clivagens. Diante de tantos constrangimentos, que escola podemos esperar neste regresso às aulas?…
Mas, apesar disso tudo, parece persistir no ar uma estranha sensação de regresso à normalidade, a propósito do novo ano escolar. Afinal, é ou não é um argumento muito sério que haja um certo “modo de alarme” a propósito da recuperação das aprendizagens comprometidas pela pandemia? De forma clara, como vai ela ser levada por diante? Com que estratégia e por quanto tempo? E, depois, 6200€ como custo real, por aluno e por ano, será um valor que permita mobilizar os recursos indispensáveis para que se restabeleça a igualdade no acesso de todos à educação? E os 559 milhões de euros alocados no plano de recuperação e resiliência para a Escola Digital para serem gastos, sobretudo, em equipamentos, vão-se fazer sentir neste ano lectivo, a ponto de permitirem que se recupere tudo aquilo que com a pandemia se perdeu (sobretudo quando, considerando um milhão e duzentos milalunos, faltava, em Janeiro passado, adquirir 765 mil computadores necessários para toda a comunidade escolar)?
E, depois, como vão os nossos filhos conviver com “vícios de forma” que trouxeram de dois confinamentos (na relação com as novas tecnologias, por exemplo)? E como vão – agora, sim – refrear a euforia duma rotina que tem uma atmosfera de libertação mas, ao mesmo tempo, lhes vai trazer mais exigências de tempo, de disciplina e de rendimento escolar? E como vão os professores fazer o movimento – quase acrobático – de “darem um salto” aos conhecimentos que ficaram para trás, reabilitando-os, e de consolidarem as novas aprendizagens, considerando aquilo que os programas e as metas educativas lhes exigem? E como vão os pais respirar de alívio – porque com a escola em pleno, não terão, supostamente, de fazer de professores – e, ao mesmo tempo, como vão compatibilizar a colaboração que as mais que prováveis oscilações de rendimento escolar dos seus filhos lhes irá pedir, com uma escola que vai ter, de novo, de se adaptar a muitas mudanças em muito pouco tempo? E onde ficarão, no meio de todas estas mudanças, as crianças com necessidades educativas especiais e aquelas que carecem do apoio do ensino especial? E como faremos com os métodos de ensino e com a avaliações de conhecimentos, depois da pandemia? Vamos aproveitar todas as mudanças que ela nos trouxe e vamos matizar os formatos a que chegámos com aqueles que fomos assumidos como mais tradicionais? E as escolas, terão mais autonomia, mais corpo decente e pessoal auxiliar (e mais formação!) para aproveitarem este ano como “o primeiro ano do resto da escola”, de forma a promoverem as mudanças que um novo tempo não deixará de lhe exigir?
Estamos de regresso à escola. Mas estamos, sobretudo, de regresso ao futuro. E aqui torna-se estranho um certo silêncio que se vai alastrando – dos vários partidos políticos aos mais diversos parceiros da educação – que parece dar a este regresso às aulas uma atmosfera de normalidade. Não! As consequências da pandemia para a vida da educação ainda não passaram. É agora que elas começarão a fazer-se sentir de forma mais nítida. E era precioso haver uma estratégia que nos ligasse a todos e nos mobilizasse para mudanças. E nos levasse a sentir que, ao menos na educação, não só somos capazes de reagir, como somos proativos. E, antes dele chegar, que somos capazes de antecipar o futuro. E, com a sua ajuda, somos capazes de crescer.