Há dias que têm essa potência: têm uma carga tal que não é possível evitar todas as suas consequências, determinam de modo inexorável tudo o que se lhe segue. O 7 de Outubro foi, em Israel, em 2023, um desses dias.

Que me lembre é o maior e o pior atentado terrorista da nossa era. Uma invasão de surpresa por milhares de terroristas do Hamas (as brigadas al-Qassam), a partir de Gaza sobre a vizinha região de Israel, atacando um festival de música e diferentes aldeamentos, perseguindo, aterrorizando e caçando milhares de israelitas e residentes estrangeiros que apareciam no caminho da tropa do terror. Uma orgia sangrenta de antissemitismo como ainda não se vira, a pior desde o Holocausto. Em poucas horas, mais de 1200 foram assassinados, um a um, cara a cara, corpo a corpo, à bala, com arma branca ou queimados vivos. Foram homens e mulheres, novos e velhos, incluindo crianças e até bebés, alguns degolados. O Hamas raptou ainda 250 reféns, incluindo mulheres e crianças, que levou para um bárbaro cativeiro na galeria de túneis em Gaza, de que – um ano depois! – ainda mantém cerca de 100 em seu poder. Os últimos seis de que soubemos, todos jovens (quatro homens, duas mulheres), quase foram libertados pelas forças de defesa israelitas (IDF), no princípio de Setembro passado. O Hamas matou-os à queima-roupa, pouco antes de serem encontrados pelas IDF. Em verdade, executou-os como animais.

É impossível esquecer toda esta selvajaria. Nem é possível relativizá-la, ou pô-la na balança – qualquer balança quebra perante actos destes, friamente premeditados, executados com desapiedada crueldade, olhando as vítimas olhos nos olhos. Não são actos de guerra, são actos de terrorismo puro e duro.

É justa a primeira parte da mensagem que, ontem, António Guterres, secretário-geral das Nações Unidas, gravou e emitiu:

“Assinala-se hoje um ano desde os horríveis acontecimentos de 7 de outubro, quando o Hamas lançou um ataque terrorista em grande escala em Israel, matando mais de 1250 israelitas e estrangeiros, incluindo crianças e mulheres. Mais de 250 pessoas foram raptadas e levadas para Gaza, incluindo muitas mulheres e crianças. O ataque de 7 de outubro deixou marcas nas almas e, neste dia, recordamos todos aqueles que foram brutalmente mortos e sofreram uma violência indescritível, incluindo violência sexual, quando estavam simplesmente a viver as suas vidas. Este é um dia para a comunidade global repetir com a mais alta voz a nossa total condenação dos actos abomináveis do Hamas, incluindo a tomada de reféns. Ao longo do último ano, encontrei-me com as famílias dos reféns, fiquei a saber mais sobre as vidas, esperanças e sonhos dos seus entes queridos e partilhei a sua angústia e dor. Não consigo imaginar a tortura que são obrigados a suportar todos os dias e exijo, uma vez mais, a libertação imediata e incondicional de todos os reféns. Até lá, o Hamas deve permitir que o Comité Internacional da Cruz Vermelha visite esses reféns. O dia 7 de outubro é, naturalmente, um dia para nos concentrarmos nos acontecimentos desse dia terrível. Manifesto a minha solidariedade para com todas as vítimas e os seus entes queridos.”

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Destaco os dois pontos por cumprir na mensagem do secretário-geral das Nações Unidas: 1.º – a libertação imediata e incondicional de todos os reféns; 2.º – até lá, o Hamas deve permitir que o Comité Internacional da Cruz Vermelha visite esses reféns.

É revelador da desordem completa do actual quadro internacional que, em momento algum, a Cruz Vermelha ou o Crescente Vermelho tenham podido desincumbir-se da sua missão humanitária junto dos reféns e entre estes e suas famílias. E é revelador da mesma desordem que países influentes como China, Rússia, Irão e outros não tenham feito pressão cerrada sobre o Hamas para libertar todos os reféns e, entretanto, consentir a assistência humanitária da Cruz Vermelha. Ao fim de um ano, estes países são também réus deste cativeiro intolerável. Se o Irão e a Rússia de Putin já não surpreendem, a grave omissão da China é um enorme desapontamento.

Já a segunda parte da mensagem de António Guterres merece alguns comentários.

“Desde 7 de outubro, rebentou uma chocante onda de violência e derramamento de sangue. A guerra que se seguiu aos terríveis ataques de há um ano continua a destruir vidas e a infligir um profundo sofrimento humano aos palestinianos em Gaza e, agora, ao povo do Líbano. Tenho-me pronunciado sobre estes factos com frequência e de forma clara. É tempo de libertar os reféns. É altura de silenciar as armas. Chegou a altura de pôr termo ao sofrimento que tem invadido a região. É tempo de paz, de direito internacional e de justiça. As Nações Unidas estão totalmente empenhadas em alcançar estes objectivos. No meio de tanto derramamento de sangue e de tanta divisão, temos de nos agarrar à esperança. Honremos a memória das vítimas, reunamos as famílias e acabemos com o sofrimento e a violência em todo o Médio Oriente. E nunca deixemos de trabalhar em prol de uma solução duradoura para o conflito, em que Israel, a Palestina e todos os outros países da região possam finalmente viver em paz, com dignidade e respeito mútuo.”

O secretário-geral das Nações Unidas manifesta, aqui, um equilíbrio que nem sempre lhe tem sido apontado por Israel e os sectores mais próximos. E avança um programa que dificilmente poderá ser rechaçado: “1.º- É tempo de libertar os reféns. 2.º- É altura de silenciar as armas. 3.º – Chegou a altura de pôr termo ao sofrimento que tem invadido a região. 4.º – É tempo de paz, de direito internacional e de justiça.” Seria um grande programa se as Nações Unidas unanimemente o proclamassem na data de hoje e todos os principais actores o assumissem, desde já, por esta ordem: o Irão; Hamas e Hezzbolah; e Israel.

A guerra do Médio Oriente apenas parará se aqueles que a provocam pararem de a promover, planear, desencadear. O principal responsável é o Irão, cujo líder, o Aiatola Ali Khamenei teve a desvergonha de, na passada sexta-feira, declarar o 7 de Outubro como um “acção legítima”! O Irão tem de arrepiar caminho e mudar de discurso e de política: enquanto insistir em negar o direito à existência do Estado de Israel, defendendo o seu desaparecimento, e em figurar como mastermind do terrorismo mundial e, em particular, no Médio Oriente, o Irão será o primeiro responsável regional e um alvo. Em segundo lugar, surgem os responsáveis operacionais, o Hezbollah e o Hamas, procuradores e braços-armados do Irão, no Líbano e na Palestina. Hoje, está tudo à vista. Seria óptima ocasião para mudarem de atitude e de política, se o quisessem.

Um inquérito de opinião feito há poucos dias na Cisjordânia e na faixa de Gaz mostra sensível quebra no apoio ao Hamas, que baixa para 39% em Gaza, sendo apenas 28% os que acreditam na sua vitória. Já na Cisjordânia, onde houve poucos combates, o apoio ao Hamas surge com números elevados. Estes dados parecem revelar que a dureza das acções militares em Gaza não fortaleceu o espírito militante da população. Pelo contrário, o uso desta como escudo cansou-a e afastou-a. Dificilmente, podemos esquecer as imagens de acolhimento triunfal em Gaza dos terroristas das al-Qassam a regressarem da devastação do 7 de Outubro, carregando como troféus os humilhados reféns.

Israel é o último responsável, mas também um dos responsáveis sem dúvida. Só que Israel só pode fazê-lo se aqueles três deixarem de constituir ameaça, por explicitamente desistirem de ameaçar. Nunca podemos perder de vista que Israel continua sob permanente ameaça existencial por parte de Irão, Hamas e Hezbollah. Israel não pode baixar a guarda. Todo o 7 de Outubro o demonstrou e ainda demonstra.

A verdade é que, em 7 de Outubro de 2023, Israel e seus vizinhos estavam em paz. Não havia guerra já há alguns anos. Todos os dias seguintes até hoje foram provocados por aquele trágico dia, pela guerra que iniciou. Foi o Hamas que decidiu, por uma acção terrorista especialmente brutal, quebrar a paz e desencadear a guerra. Com apoio de quem? Do Hezbollah e do Irão.

É essa guerra que aí está ainda. Quem a pode parar? Quem a começou: Hamas, Hezbollah e Irão. Só estes a podem parar, talvez aconselhados e pressionados por Rússia e China. Dada a crescente perigosidade da situação e do quadro internacional geral, a China bem poderia, aliás, demarcar-se por completo. Mas só aqueles três actores podem para a guerra que começaram.