O problema da habitação, reconhecido tardiamente pelo governo, fez com que este “disparasse” um enorme número de propostas avulsas, desconexas e anacrónicas.
Como é consensual, mesmo na esquerda radical e no PS, a carência da habitação e os seus custos elevados derivam directamente da escassez de habitação. Havendo mais oferta, os preços baixariam. Os motivos da escassez de habitação são inúmeros e fruto da ausência de incentivos sérios para a sua promoção.
Ao contrário do que se pode pensar, este “pacote” para a habitação lançado pelo governo vai ver os seus efeitos limitados pela aplicação da Lei dos Solos. De facto, a Lei dos Solos, promulgada no tempo do governo PSD/CDS veio restringir radicalmente a oferta de solo urbano, obrigando os municípios a reverem os seus PDM, acabando com os espaços urbanizáveis e de expansão dos aglomerados urbanos. Essa lei consagra apenas a existência do solo rústico e do solo urbano dando uma enorme machadada no planeamento urbanístico.
O próprio governo, no seu pacote regurgitado à pressa, prevê a “reclassificação de solo rústico para solo urbano nas zonas contíguas a este; possibilidade de cedência de terrenos para habitação e de reserva de solos para habitação; manutenção da classificação como solo urbano de solos urbanizáveis ou com urbanização programada, exclusivamente públicos e com uso predominante habitacional”. Ou seja, o governo reconhece a necessidade de espaços urbanizáveis, mas exclusivamente de solos públicos, não se entendendo esta limitação à iniciativa privada. Dada a reconhecida incapacidade do sector público em planear e executar em tempo útil, de pouco servirá.
A actual legislação referente à classificação de solos e ao ordenamento do território eliminou, com efeitos a partir de 31 de Dezembro de 2023, a figura dos solos urbanizáveis, consagrados nos Planos Directores Municipais. Isso irá provocar escassez de solos para a construção fazendo aumentar o seu valor.
A existência de uma boa oferta de solos urbanizáveis em continuidade com os perímetros urbanos existentes é fundamental para gerar concorrência entre os seus proprietários, fazendo baixar o valor dos solos com capacidade construtiva.
A maior parte dos municípios encontra-se a rever os seus PDM, contra a sua vontade, para se conformarem com a Lei dos Solos, acabando com as áreas urbanizáveis e aumentando assim a escassez de solo necessário para habitação.
A legislação prevê a possibilidade de reclassificação do solo rústico para urbano no âmbito da elaboração de Planos Municipais de Ordenamento do Território (PMOT), nomeadamente através de Planos Directores Municipais e de Planos de Pormenor. Mas a reclassificação de solo rústico para urbano é considerada excepcional, tendo de cumprir cumulativamente um enorme número de critérios. De difícil ou impossível cumprimento, desde logo porque obrigam à elaboração de Planos de Pormenor, que são processos demorados e burocráticos, que implicam a participação e os pareceres de inúmeras entidades públicas (CCDR, APA, ICN, IP, etc.). Desta forma a oferta de terrenos para a construção será cada vez mais diminuta.
Acresce que a inexistência de áreas urbanizáveis é antagónica a um correcto ordenamento e planeamento urbano, cerceando as possibilidades de criação de novas centralidades, polaridades e actividades/usos adaptadas às necessidades das populações ou a investimentos considerados estratégicos pelos municípios. Os perímetros urbanos devem ter a flexibilidade suficiente para poderem acolher investimentos, públicos e privados, de interesse municipal ou nacional, sem que para isso tenham de recorrer aos instrumentos de gestão territorial, nomeadamente Planos de Pormenor, que implicam prazos muito longos, por vezes incompatíveis com os objectivos dos promotores, das autarquias ou do próprio Estado.
A definição e delimitação dos solos urbanizáveis deve ser criteriosa e bem fundamentada. A classificação de solo com aptidão urbana (fisiografia, pedologia, valores cénicos e custo de oportunidade do abandono da actividade agrícola) deverá ter uma relação com as infraestruturas do solo urbano (existente) que torna consistente a expansão do perímetro urbano; a justificar à luz da estratégia do desenvolvimento municipal.
Por outro lado, as CCDR, APA, ICN e outras entidades públicas, escudam-se nesta legislação para obrigar as câmaras municipais a diminuir as áreas urbanas, interferindo com as estratégias de desenvolvimento que os municípios livremente deveriam poder adoptar, pois a responsabilidade do ordenamento do território municipal é da sua competência exclusiva, devendo, no entanto, cumprir o estabelecido nos Programas Nacionais de Ordenamento do Território (PNPOT, PROT, POC, Planos de Áreas Protegidas, etc.).
Este problema não se coloca em Lisboa ou no Porto porque os respectivos PDM classificam todo o território como áreas urbanas, mas no resto do País, incluindo as AML e AMP a concretização desta lei vai ser um verdadeiro problema levando ao aumento dos custos do solo urbano, com um grande impacto nos custos da habitação.
Esta Lei vem sendo sucessivamente adiada por pressão das autarquias (agora para dia 31 de Dezembro de 2023) o que revela a sua inoperacionalidade. Aos municípios que não conseguirem (ou não quiserem) rever os PDM em tempo útil para se conformarem com a Lei dos Solos «é suspenso o direito de candidatura a apoios financeiros comunitários e nacionais que não sejam relativos à saúde, educação, habitação ou apoio social, até à conclusão do procedimento de alteração ou revisão do plano territorial em causa, não havendo lugar à celebração de contratos-programa».
Assim, a Iniciativa Liberal apresentou uma proposta para se proceder a uma revisão da Lei dos Solos (ou o retorno à legislação anterior – Lei nº 48/98 de 11 de Agosto), que permitirá a existência de solos urbanizáveis, possibilitando a criação de bolsas de terrenos, em continuidade com as áreas urbanas, que respondam eficazmente a uma oferta de solos para a edificação, equilibrando o valor do solo urbano.
Esta proposta, em conjunto com outras a apresentar futuramente, pretende devolver às autarquias a gestão e o ordenamento do seu território, que se encontra completamente manietado pela Lei dos Solos, pela legislação urbanística em geral e pelas inúmeras leis, condicionantes e entidades públicas envolvidas nos processos de planeamento urbano.