Antes de tudo o mais, o segredo: o governo de António Costa ordenou que a Parpública comprasse acções dos CTT quando decorriam as negociações do orçamento de Estado para 2021. Ninguém soube de nada porque o então ministro das finanças não autorizou a compra de mais de 2% das acções da empresa, eximindo-se à obrigação de informar o mercado.

De seguida as razões aludidas para o segredo são abstractas: a compra das acções é justificada por razões de “interesse e utilidade pública inquestionáveis” (sendo o “inquestionável” um conceito curioso num Estado de Direito) e “desde logo por desempenharem um papel fundamental para o desenvolvimento a níveis local, regional e nacional e constituírem um factor de promoção da coesão territorial e da igualdade”. Um blá blá sucessivo de adjectivos que explanam ideias feitas sem a menor comprovação factual. Na verdade, ainda antes da privatização em 2014, os CTT fecharam vários balcões no interior do país e deixaram milhares de cidadãos sem acesso aos serviços da empresa pública. O encerramento dos balcões não decorreu da privatização; foi o próprio Estado que os fechou e abandonou esses cidadãos.

Passo seguinte, a obscuridade: qual terá sido o verdadeiro intuito desta compra? Agradar o BE e o PCP, no momento em que estes dois partidos negociavam o orçamento de Estado para 2021? O Bloco de Esquerda escuda-se com a justificação que das 12 propostas que tinha em cima da mesa nenhuma era a compra de acções dos CTT, embora reconheça que defendia a nacionalização da empresa. Já o PCP reconhece que sabia da pretensão do governo, mas não a considerou relevante porque deter menos de 2% dos CTT não daria qualquer protecção legal ao Estado no conselho de administração. Pedro Nuno Santos afirmou ser a favor da compra, mas não explicou qual o interesse de deter 0,24% da empresa nem porque escondeu essa informação. As dúvidas levantam-se: houve intenção de agradar o BE e o PCP? Foram as cautelas legais do ministro das finanças que levaram à suspensão do projecto? Ou foi devido à queda do governo? Não sabemos e jamais saberemos. Certo é que o governo PS deu, às escondidas, ordem de compra de uma empresa privada cotada em bolsa sem qualquer respeito pelos contribuintes nem pelos demais accionistas da empresa.

Por fim, as responsabilidades políticas difusas, para não dizer inexistentes. Pedro Nuno Santos, por exemplo, é exímio no exercício: Segundo o próprio não houve orientação do “Ministério das Infraestruturas nem do ministro das Infraestruturas”. Logo, “tem de ser o Governo a dar esclarecimentos e não eu”. Há 8 anos que temos a sensação que nos governos PS ninguém manda nem ninguém dá ordens ou é responsável por coisa alguma. Perante o silêncio de Costa, Pedro Nuno lá se decidiu por uma profissão de fé da importância do Estado adquirir 0,24% de uma empresa privada.

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Uma das razões para esta opacidade deriva do PS ser governo desde 1995, de forma quase ininterrupta. São praticamente 29 anos. Há portugueses que não conhecem outra realidade. Outros cresceram com ela. Pedro Nuno Santos, novamente como exemplo porque é o secretário-geral do PS, tinha 19 anos e já andava nestas lides quando António Guterres chegou a primeiro-ministro. É natural que a percepção política se tolhe e algum discernimento se perca. Mas o mal não é só o poder ininterrupto.

Reside também no conceito de que um político sabe e deve dirigir empresas. A crença que um socialista, ao contrário das demais pessoas, detém uma visão imparcial da realidade e actua de modo justo e equilibrado só porque acredita em determinados fenómenos inexplicáveis. Esta distorção do que deve ser o papel de um governo a favor do governante é curiosa porque vai contra o próprio conceito do que é um Estado de Direito e de que os governantes devem responder perante o povo. Na verdade, alguém como Pedro Nuno Santos não se torna num super-homem porque exerce o poder ou porque decidiu exercê-lo num determinado sentido. Ele falha e, porque falha, o seu poder e a sua influência devem ser limitados. Justificar a prática de um erro porque o objectivo pretendido é positivo não justifica o erro. É assim por uma questão de princípio, mas porque os benefícios não são absolutos e, por vezes, até são subjectivos: dependem da percepção de quem os vê, sem esquecer os custos que implicam e que devem ser levados em consideração.

A opacidade não nasce do nada. Explica-se por via desta percepção de que os socialistas se deixaram incutir: o serem donos da verdade ou, quando isso não sucede, de a poderem esconder debaixo de intenções sublimes. Depois da surpresa inicial, Pedro Nuno Santos achou melhor dizer que sabia de tudo e que concordava com tudo. É uma técnica muito dele. Só não nos disse porque não tínhamos de saber também.