No término do fim de semana natalício dei-me conta que, certamente por azafama ou distração, não tinha assistido à habitual Mensagem de Natal do Patriarca de Lisboa na RTP. Assim, lá fui fazer aquilo que a ordem do dia dita e recorri à página da Televisão Pública para ver a Mensagem que certamente estava disponível online. Procurei ali e voltei a procurar, fui à página do Patriarcado, à grelha de programação da RTP e nada. Conclusão – não houve transmissão da tradicional Mensagem natalícia na Noite da Consoada.

Bem sabemos que já há muito a Associação República e Laicidade pede que esta mensagem deixe de ser transmitida, mas como, também por parte dos próprios, nenhum ato de regozijo pelo fim dessa “laica cruzada”, com que todos os natais nos costumavam presentear, se ouviu, calculei que não fosse obra sua o facto de os cristãos em Portugal, e particularmente os católicos, tivessem sido privados de ouvir em espaço público uma mensagem sobre o acontecimento celebrado na véspera de dia 25.

Por todo o mundo, sobretudo nos países de raiz cristã, na noite de Natal, Reis, Presidentes, líderes religiosos, partilham através dos meios de comunicação públicos ou privados em canal aberto, uma mensagem sobre esta época festiva. Não são poucas as referências que muitos destes fazem à importância de recentrar o Natal naquilo que este mesmo significa. Seja-se crente ou não, ouvir sobre a possibilidade de que a divindade encarnou na humanidade só nos deveria trazer uma esperança transversal comum. Pois os crentes, pela fé, procuram a paz, a concórdia, o amor ao próximo, os não crentes, pela sua certa boa vontade procuram também viver estes mesmos sentimentos e formas de estar. Por isso, custa-me muito entender o porquê de uma Mensagem que sempre procura refletir sobre a nossa feliz, mas muitas vezes difícil condição humana, possa ser motivo de divisão, contestação e pelos vistos de silenciamento.

Se a razão pela qual a televisão pública não emitiu a Mensagem foi a da laicidade, bem, o Estado em si é laico, mas o cidadão não. E nem valerá a pena apelar aos números dos censos sobre a presença de supostamente e muito supostamente, 80% de católicos em Portugal, porque esse argumento seria oco em si mesmo. Mas vale a pena citar a ideia de laicidade no espaço público da Associação que referi no início – “um «espaço público» disponível para todos e que, portanto, não possa ser apropriado, em permanência e de modo exclusivo, por qualquer grupo social, tenha ele a matriz – ideológica, filosófica, linguística, confessional, religiosa, histórica, racial, estética, económica”. Assim sendo, não vejo como cinco minutos de conteúdo religioso em Noite de Natal, festa que praticamente todo o país celebra, aproprie em permanência ou de modo exclusivo o dito espaço público.

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Se a razão se prende com uma eventual recusa do Patriarca em fazer a Mensagem, num ano em que particularmente para o próprio foi difícil a natural relação com os meios públicos, por exemplo, pela questão da proteção e dos abusos de menores, com a qual teve de lidar, também em nada isto me faz sentido. Pois o Patriarca, independentemente da má condução do assunto que mais o assombrou este ano, e não estou a dizer que foi da sua responsabilidade a mesma, fala aos cristãos de algo muito concreto naquela Noite – o nascimento do Príncipe da Paz.

Num tempo em que tanto precisamos de paz não sei como pode a ideia e a imagem de uma “história” de um Menino indefeso nascido numa gruta, nos perturbar tanto. Enfim, provavelmente até saberei ou suspeitarei. Naquele Menino está representado tudo aquilo que poderíamos ser e não somos. Ali está a nossa dignidade, ali está a base daquilo que é a nossa civilização, ali está a manjedoura de onde se aprendeu o que era a caridade, o amor aos que não nos amam e o perdão, ali está a viragem da história e negá-lo é negar o melhor da nossa humanidade.

As referências em telejornais foram maioritariamente a renas, trenós e ao sempre (sobre)estimado Pai Natal. Este ano tudo me soou a paradoxal e dei por mim a pensar, se em dia de Natal, um Primeiro- Ministro, não crente, ligado a um partido político, diz “umas coisas” em que nós, para nosso bem e para nossa salvação, sobretudo financeira, supostamente temos de acreditar, porque é que um representante dos cristãos em Portugal, não pode naquela Noite dizer também “umas outras coisas”, mas estas sim, sobre aquilo que realmente celebramos?

Estamos a pôr-nos “a jeito” de limpar a memória histórica dos futuros Homens, num experimentalismo que não sabemos o que trará, por isso não posso deixar de pensar e afirmar, tal como o fez recentemente a Presidente de Madrid, Isabel Ayuso, ao citar Julián Marías – “Se Deus se fez homem é porque o homem é o melhor que se pode ser”.

Assim, se a Mensagem de Natal do Patriarca servir para recordar anualmente a mensagem de paz e o único mandamento que o Menino nos deu – o amor ao outro, se servir para reafirmar ano após ano que o “homem é o melhor que se pode ser” então que em 2023 possamos novamente ouvir a Mensagem do Patriarca de Lisboa e deixar de lado as ideologias que nos afastam e endurecem o coração.