São muitos os rostos da solidão. Distingo entre solidão física (como quando dizemos “o que estás aqui a fazer sozinho?”, ou “vieste sozinho?”) e solidão interior (como quando dizemos “hoje sinto-me só!”). Posso não estar só, e sentir-me só – quem já não a experimentou? Muitas vezes confundem-se estes dois tipos de solidão. O ditado ajuda _ “mais vale só que mal acompanhado” – , mas importa ir mais longe, ou seja importa saber o que é uma boa companhia…
Todos experimentamos a solidão, cada um experimenta-a à sua maneira, e apesar disso entendemos de certa forma o que outro estará a sentir quando me diz que se sente só, e me pode levar a querer fazer-lhe companhia, e ele a mim.
Mas como posso eu fazer companhia a quem se sente só? Eu que também me sinto só, que sou incapaz de vencer a minha solidão, como poderei vencer a solidão do outro? Quantos casamentos, quantas uniões frustradas?, e daí o aumento dos divórcios, o saltar de relação para outra relação, sem nunca se encontrar uma relação?! Não será então o amor impossível? E afinal o que é isso do amor? Uma pergunta leva à outra, e parece que estamos num labirinto sem saída, será?
Que estamos todos num labirinto não tenho dúvida absolutamente nenhuma. E mais, também não duvido de que todos nós andamos à procura do mesmo. Para citar Santo Agostinho, certeiro no descortinar das interioridades, todo o homem tem a ideia que quer ser feliz, ou seja, o desejo de ser feliz é universal. No entanto cada pessoa tem uma ideia de felicidade, que pode não coincidir com a dos outros.
Aqui a porca torce o rabo! As minhas intuições são negadas por quem diz o contrário ou é indiferente aos outros, ou por quem até já está desiludido com esta vida, já perdeu o gosto de viver….
Posso querer estar só, mas ninguém quer a solidão. Por isso é que gostamos, mais uns que outros – e há até quem o negue – de estar à mesa, de um abraço, um beijo, um pôr-de-sol ou um filme a dois. E seja em guerra, seja na ausência dela, choca-me ver homens, mulheres, crianças, idosos, sem lar, a viver em condições desumanas. Quase nos consolam as ajudas humanitárias, de pessoa e alimentos. Sim porque o ideal é uma ajuda ainda mais humanitária, que venha saciar a fome toda.
A solidão mais profunda não é a física mas a outra, aquela que não sossega apenas com o estarmos rodeados de pessoas. Todos sabemos que “viver sob o mesmo tecto” não é igual a “não estar só”, escondendo tantas vezes uma solidão invisível, sem medida!
Hoje a caricatura é-nos dada com os telemóveis: uma família à mesa, cada um com um telemóvel, a comunicar com outras pessoas que não com os que estão à mesa. Parece então que a chave da companhia está na comunicação. Mas comunicar o quê? Comunicar porquê? A quem? Com quem?
Mal acordamos queremos comunicação. Vamos às redes, aos amigos, aos inúmeros grupos de what’s app a que pertencemos _ colegas do liceu, colegas do trabalho, ou por interesse, what’s app da dieta, das caminhadas a pé, visitas a museus, etc. _ para nos conectarmos, articularmos…; vamos obter informação, de noticias do meu País, ou do mundo, com a facilidade de ter agora à mão o NY Times, ou o Diário de Coimbra, no X ou no Instagram, saber o Menu daquele Restaurante onde vou jantar hoje, ou ver o Papa Francisco a discursar no G7; e páro por aqui, são infinitas as possibilidades…
Sim, vivemos um tempo de excessos, excesso de solidões, excesso de companhias. Sim, não há uma solidão igual a outra, nem uma companhia igual a outra, e de todas elas, muitas, temos noticias ao minuto. E há todo um mundo que desconhecemos, que não há rede que as apanhe.
Leio há dias: “A solidão pode matar, a pessoa sente-se rejeitada, sem auto-estima; daí a uma depressão é um passo e as ideias suicidas surgem a seguir”. A lembrar o diagnóstico do P.e Teilhard de Chardin: “O maior perigo que a humanidade de hoje pode ter é a perda do gosto pela vida.”
A vontade de comunicar que me move diariamente – e aqui recorro de novo a S. Agostinho – não deve cancelar a pergunta por aquilo que me faz realmente feliz, sem o que ficamos presos de uma incomunicabilidade que nos paralisa; ficamos sem pontes uns para os outros.
As perguntas sobre o sentido da vida (felicidade, beleza, justiça, verdade, amor) são muitas vezes canceladas à partida pelo preconceito generalizado de que não têm resposta. E para que elas venham ao de cima é preciso tempo, é preciso a tal solidão de cada um consigo mesmo – os solilóquios… – o tal estar focado em mim como cantam os nossos Quatro e meia, no Olá Solidão.
A má companhia afasta-me de mim, a boa companhia é a que me aproxima de mim, é a que me ajuda a perguntar pela vida, sem desistir. O perguntar pelo sentido é o patamar que nos aproxima, mesmo que a resposta ainda não tenha acontecido.
É nesse lugar do perguntar profundo que a comunicação se estabelece entre nós. Tudo o mais não nos faz companhia, não nos tira a solidão, é só tagarelice, bisbilhotice. Os amigos não temem o silêncio…