23 de Junho de 2016. Ficará na história como o princípio do fim da União Europeia ou como o início da correcção do projecto europeu. Teremos sempre um antes e um depois deste dia em que os cidadãos britânicos votaram pela saída da União Europeia.

As bolsas caem, os juros disparam, a libra desvaloriza, o dinheiro está a fugir para a Alemanha onde os juros da dívida pública a 15 anos já são negativos. Países como Portugal estão a ser os mais castigados. São os investidores em pânico a anteciparem uma inevitável recessão no Reino Unido e no resto da Europa, assim como repercussões políticas em toda a União Europeia que podem atingir o desmembramento do projecto europeu.

Estamos a regressar ao pesadelo financeiro de 2007/2008. Nessa altura a culpa foi dos banqueiros. Hoje o centro da instabilidade está na política, no Reino Unido, no primeiro reflexo da fúria que atinge algumas camadas da população mais afectadas pela crise. E que tem sido ignorada pelas elites e pelos partidos políticos. O resultado do referendo no Reino Unido é um sério aviso.

A crise financeira da primeira década do século XXI deu a volta completa, sem que em nenhum ponto conseguisse ser resolvida – começou como financeira, provocou a queda da produção e o aumento do desemprego com efeitos sociais, desencadeou descontentamentos e fúrias capitalizados pelos populistas que se reflectiram pela primeira vez com efeitos violentos neste voto dos britânicos. E volta agora a ser financeira. E o ciclo reinicia-se: das finanças para a economia, da economia para a sociedade, da sociedade para a política. Para se iniciar de novo o ciclo. A repetição do ciclo vai gerar ainda mais revolta e com ela caminhamos inevitavelmente para o fim da construção europeia, para o regresso das fronteiras.

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Como quebrar o feitiço deste ciclo? Era preciso que os líderes europeus conseguissem convencer os seus zangados eleitores que o projecto europeu é um factor de prosperidade e confiança no futuro. Ninguém constrói nada pelo medo, mas tudo se pode destruir pelo medo. Foi isto que demonstrou a campanha no Reino Unido: as duas partes centraram o seu discurso no medo, os que defendiam o sim focados na economia, os que queriam a saída, centrados nas ameaças das migrações. O mais preocupante, neste momento, é não encontrar uma mensagem convincente para as vantagens da construção europeia. Mesmo daqueles que são mais entusiasmados com a Europa.

Vamos viver, de novo dias difíceis. Portugal estará como é óbvio no centro deste furacão financeiro com inevitáveis efeitos na economia. Teremos uma nova fase de dificuldades de financiamento do Estado se não se conseguir, como se antecipa, acalmar os investidores que estão a proteger o seu dinheiro na Alemanha. Com a economia portuguesa já muito fragilizada, este abalo aponta o país para mais uma recessão. Temos de nos preparar para o pior, em Portugal e na Europa. Esperando estar enganados, esperando que as lideranças acordem do seu sonambulismo tecnocrata.

Helena Garrido é colunista do Observador