No meio de uma época de rara incerteza, vivemos este mês de regresso à escola com uma forçada e necessária busca pela normalidade, pelo entusiasmo e pela esperança. É, sobretudo, nesta busca que pode residir a chave para uma transição tranquila e segura das crianças que se renovam neste mês. Eles vão beber da nossa normalidade, do nosso entusiasmo e da nossa esperança.
Como queremos aumentar a segurança dos mais pequenos no meio de tanta incerteza? O que temos de procurar e transmitir?
Podemos começar pelo que nos é mais próximo: nós próprios. Uma criança que sente o pai ou a mãe seguros em situações nunca por ela vividas, tem a porta aberta para se aventurar em novos recomeços com a auto-estima, a confiança e a segurança que precisa para ultrapassar qualquer desafio.
Somos nós, adultos, os responsáveis por lhes dar estrutura. Não a escola, (não só!) a comunidade educativa e muito menos regras de segurança sanitária em constante mudança.
No mesmo espaço em que somos obrigados a relembrar a insegurança da doença eminente, através da obrigação da utilização de máscaras, gel desinfetante, viseiras e distanciamentos sociais, a segurança dos mais novos pode vir de dentro. De dentro da família, de dentro de si mesmos.
É certo que não temos respostas para tantas dúvidas. Talvez agora olhemos com saudade para o tempo em que sabíamos dizer aos jovens e crianças “é sempre assim, todos passam pelo mesmo!” ou “Todos os anos começam assim”. É que a resposta mais frequente, agora, é: “Não sei, nunca foi assim!”
Sinto que famílias inteiras se veem inseguras, mas esperançosas. Esta é, quanto a mim, outra chave dos tempos que correm: a esperança. Olhar com esperança para os recomeços e dar-lhes a oportunidade para nos trazerem crescimento e mudança é fundamental para que eles larguem o ninho todas as manhãs com vontade de experimentar o dia.
Depois de quase três meses de não-horários, no topo de um bolo de um ano e meio de pais em teletrabalho (para tantos) e de aulas presenciais alternadas com uma horita de tele-escola por dia, é natural que seja difícil.
Assumir essa dificuldade como natural é, aliás, uma boa ajuda para a resiliência de todos! Estamos com crianças que não estão “resistentes” aos meses seguidos de saídas de casa ainda de noite, às pressas rígidas das manhãs, aos almoços em refeitório, às horas seguidas em sala de aula… Mas estas são as crianças que sentiram na pele as saudades da turma, que se deliciaram com os esforços dos familiares para dar algo de lúdico ao “passeio higiénico”, e que viveram a família como não há memória de alguém ter vivido!
Portanto, lá resilientes eles são! São flexíveis e conseguem deixar para trás as dificuldades, criando novas memórias, novos amigos, novas aprendizagens. Parece-me que o mais difícil está em nós, adultos, correspondermos a tamanha resiliência. A nós é que nos faz bem observar e aprender com a ingenuidade da criança que acredita em cada recomeço.
Os focos de ansiedade podem residir nesta incerteza, nas alterações do “manual de regras Covid-19”, no cansaço. Mas não nos esqueçamos que, para uma criança ou um jovem, o mais provável é que a ansiedade esteja na turma nova, na escola nova, no professor novo…
No crescimento que lhes exigimos (nós, sociedade) em Setembro, as ansiedades deles são nossas conhecidas. Basta olharmos para a nossa infância e para a dos que a passaram ao nosso lado. E, assim, afinal, ainda é “como dantes”.
O que pode ser importante lembrar é que, se nós nos dispusermos a ouvir as crianças nas suas ansiedades, facilmente compreendemos de que precisam para se sentirem seguros. Pais, familiares e educadores podem tornar-se numa estrutura segura, através de uma comunicação limpa e frequente, uma comunicação que os escuta e ampara, que transmite força e segurança. Uma rede que funciona como suporte, alinhada e concertada, onde se move a criança por qualquer aprendizagem, qualquer nova turma, qualquer nova escola, qualquer novo ano.
Não há maior segurança neste recomeço que a coerência de quem se alinha e junta forças num objetivo partilhado: dar às nossas crianças a hipótese de crescer bem. Quando a criança sabe que tem esta rede, que os pais comunicam entre si e com a escola com assertividade e clareza, é como se sentisse que caminha em chão firme.
Podemos abraçar este recomeço com a consciência da importância do nosso papel como pais, cuidadores, educadores ou professores. Temos uma responsabilidade que nos pode distanciar do fatalismo das circunstâncias e deixa-nos espaço para sermos a estrutura, o colo, o terreno fértil das aprendizagens que aí vêm. Para eles e para nós!
Podemos começar por ouvir o que cada criança precisa e agir já.
Construir, desde o início, pontes que os ligam a nós e ao mundo. É sobre estas pontes que os nossos mais novos vão caminhar quando precisarem de ajuda. São estas pontes entre todos os que os rodeiam que dissipam aquela ideia de ilha, isolada, sem saída. Aquela sensação que está na base da ansiedade dos recomeços.
Enviar um email ao professor, apresentando-nos como disponíveis para trabalhar em equipa, conectar com a comunidade escolar, partilhar experiências, materiais e contactos com outros pais/cuidadores, é algo que depende muito de nós e que constrói, desde logo, a base da “aldeia” onde vive a criança/jovem. E é sentindo-se seguros na aldeia, que eles desenvolvem capacidades e que dão os saltos mais corajosos e confiantes para um crescimento feliz.
Neste caminho podemos e devemos ter atenção aos sinais de stress que as crianças nos podem dar e que podem levar à necessidade de ação junto desta rede que os envolve. Confio que cada família poderá observar esses sinais ao proporcionar tempo e espaço para que possam surgir.
Falar sobre as emoções, dar nome e caracterizar o que todos sentimos, assim como os comportamentos reativos naturais a essas mesmas emoções é uma aposta ganha. Com naturalidade e interesse genuíno podemos criar espaço na família para a partilha de queixas ou dificuldades mais profundas.
Porque nem todos têm vontade de contar o dia de escola, torna-se fundamental fazer perguntas que apelem à reflexão e auto-avaliação. É bom ser concreto, mas também deixar espaço para a memória da criança nos trazer o que ela guarda de mais precioso, com perguntas reflexivas como: “Ao lado de quem almoçaste hoje?”, “Alguém te fez rir hoje?”, “O que mais gostaste de aprender?”,“Ajudaste alguém hoje?” ou “Podes explicar-me como funciona a hora do almoço?”
Estamos a criar espaço para se lembrarem e reverem o dia connosco, voltando ao seu porto seguro. E todas as outras circunstâncias em que vivemos continuarão a ser externas e representarão menos perigo para o mundo interno de todos se tivermos consciência do que de facto constitui a estrutura interna de uma pessoa, criança ou família.
A beleza disto mesmo é que dependemos muito mais de nós do que dos problemas que se cruzam nos nossos caminhos!