Há poucas semanas houve grande alvoroço devido ao facto de, segundo as estimativas europeias, em 2024 Portugal vir a ser ultrapassado pela Roménia. Isso, naturalmente, gerou muita tensão, pesar e questionamento, regressando o velho mote da “cauda da Europa”.
Quanto entrámos na CEE em 1986 o nosso país era o mais pobre de todos os estados-membros (produto interno bruto por pessoa em paridade de poder de compra a preços correntes, código HVGDP da série oficial europeia AMECO). Assim se manteve até 1995 quando, entrando dez países de Leste, nove dos quais mais pobres (a exceção era Chipre), passámos para meio da tabela (15º) dos atuais 27. Acabou-se a cauda da Europa.
Foi já neste século que começou o processo das ultrapassagens. Algumas mostraram-se efémeras, mas as duradouras foram da Eslovénia (2003), República Checa (2007), Malta (2009), Lituânia (2018) e Estónia (2020). Como subimos acima da Grécia (2011), a posição em 2022 era 19º nos 27. Agora somos ameaçados por três parceiros, Hungria, Polónia e Roménia. Assim, podemos contar cair em breve para 22º lugar, apenas superando Croácia, Letónia, Eslováquia, Grécia e Bulgária. Pior, a taxa de crescimento do produto por pessoa até à pandemia, de 2000 a 2019, foi a sétima mais baixa dos 27, acima só da Grécia, Itália, Suécia, Holanda, França e Finlândia. Assim não se converge para os países da frente.
Por que razão tal aconteceu? A generalidade das respostas refere a má qualidade dos governos. Mas isto, em si, chega para explicar o atraso: um país que, quando trata de crescimento económico, pensa logo em política, não admira que não cresça. É verdade que temos vários problemas no aparelho do Estado e orientação estratégica, com destaque para a captura corporativa dos ministérios, ofuscando o interesse nacional. Mas a lição mais básica que um povo tem de aprender acerca do desenvolvimento é que este constitui um fenómeno económico, determinado no sistema produtivo. O resto ajuda ou complica, e em Portugal complica bastante, mas não pode fazer.
Entre os poucos que referem razões económicas, existe uma preferida: a entrada no euro. O argumento é simples: foi desde que aderimos à moeda única que o nosso crescimento empatou. Mas esses nunca explicam como é que uma moeda estável pode prejudicar o crescimento produtivo; para mais quando ela não parece inquietar as outras economias que connosco aí convivem.
Existe uma outra razão, muito mais plausível e omissa nos debates: a descapitalização da economia. Portugal não tem capital. Isso deve-se, não a esforços da esquerda radical, sempre inimiga do “grande capital”, mas a erros crassos desse mesmo capital. O nosso país, muito antes da entrada no euro, apresentava uma taxa de poupança decrescente, ultimamente em níveis miseráveis. A dívida nacional é gigantesca, não apenas no Estado mas em todo o país. Entretanto vendemos ativos imobiliários e empresariais ao exterior para sustentar o consumo. O sistema bancário, como foi aparatosamente evidente, esbanjou fundos milionários em tolices não produtivas, acabando combalido e alienado a forasteiros. Pior, “crescimento”, “produtividade”, “competitividade” deixaram de ser temas centrais do debate nacional, como foram até meados dos anos 1990. Aquilo que realmente domina o palco mediático são as contas do Estado, as preocupações de pensionistas e professores, regalias, subsídios, direitos, sem que ninguém questione como tudo isso se paga.
Existe um facto que, ao contrário do euro, está diretamente relacionado com todas estas dimensões: em 1994 o Banco Mundial colocou-nos no grupo de “high income country” (país de alto rendimento), o topo da classificação global. Desde então somos oficialmente um país rico. Não admira que não poupemos, nos endividemos, vendamos as pratas da casa e vivamos de rendas, como fazem tantos ricos. Uma coisa é certa: há 30 anos que, como nação, perdemos aquele fervor dinâmico que tínhamos em décadas anteriores; o entusiasmo que ainda se vê na Roménia, nos vizinhos e até nos nossos parceiros mais abastados.
Assumimos que somos ricos. Vivemos numa democracia sólida; temos um nível de vida razoável; gozamos de excelentes condições sociais (face às que tínhamos e às que tem a esmagadora maioria da humanidade); até conseguimos maioria absoluta, coisa com que os parceiros sonham impotentes. Em resumo, o país anda contente. Aquilo que nos perturba são epifenómenos pontuais, como pandemia, inflação, derrota no mundial e, claro, as infindas reivindicações setoriais, nunca suficientemente satisfeitas, e que só seriam sustentáveis se voltássemos ao desenvolvimento económico de outras eras.
Assim não admira que acabemos na cauda da Europa. A qual, tudo somado, até nem é um mau sítio para estar. Quanto ao brio de vencer desafios, ganhar posições, resolver problemas estruturais, ajudar desfavorecidos, são preocupações típicas de países pobres, atrás da cauda da Europa. Ou então de países dinâmicos na cabeça da Europa.