No mês do Congresso anual da Rede Internacional pelo Rendimento Básico, o BIEN, este ano na Coreia do Sul, com várias intervenções de portugueses, importa lembrar que o Rendimento Básico está a ganhar força a cada dia, e torna-se uma ideia cada vez mais palpável para o cidadão comum.
Existem mais de 80 experiências-piloto realizadas nos EUA, bem como em países vizinhos como Espanha e no Reino Unido.
O Rendimento Básico Incondicional, com a sigla RBI, é uma ideia centenária agora reanimada. Como não faltam definições mais benignas, definimos o RBI como uma “Prestação pecuniária positiva, individual, direta e regular, assegurada aos cidadãos de forma universal, livre de obrigações (incondicionada) e em quantia suficiente para afastar carências humanas essenciais, dignificando a existência de cada pessoa”.
Uma maneira envolvente de compreender essa ideia é imaginarmos presentear um isqueiro a cada Homem das Cavernas.
Tente imaginar: está a entregar um isqueiro numa comunidade pré-histórica. Seria um desafio único, podendo até resultar em suspeitas de bruxaria e a incompreensão inicial poderia resultar em apedrejamento.
Contudo, superando esse obstáculo de comunicação, a introdução deste fogo teria desencadeado uma série de transformações. Da mesma forma, o RBI tem o potencial de incendiar mudanças positivas na nossa sociedade.
Inicialmente, alguns homens das cavernas poderiam queimar os dedos, mas iria aprender com seus erros ao usar o isqueiro, e, à medida que se adaptassem, o fogo portátil tornar-se-ia uma ferramenta valiosa para cozinhar, se proteger e expandir horizontes, como utilizar o fogo para fazer ferramentas e armas.
Assim como o fogo revolucionou o quotidiano das sociedades antigas, o RBI poderia liberar uma energia transformadora na vida das pessoas, permitindo que elas alcancem seus objetivos de maneira mais eficaz. Da mesma forma que o fogo possibilitou a construção de civilizações e aprimorou a qualidade de vida, o RBI poderia desencadear avanços sociais que atualmente parecem inalcançáveis.
Ao imaginar esta nova sociedade das cavernas, os mais otimistas diriam que a sociedade florescia, os mais pessimistas que o desenvolvimento seria uma auto-extinção catastrófica.
Os mais teóricos olvidariam o resultado, prendendo-se na definição de isqueiro ou a tentar selecionar o método mais virtuoso de evitar a extinção, através da seleção artificial de dar apenas isqueiros aos Homo “mais” Sapiens. E os mais práticos diriam que mais valeria centralizar o fogo e dar regularmente a cada ser uma ferramenta, uma arma e uma peça de mamute assada com uma fruta por dia, ainda que haja extrema dificuldade em calcular a quantidade de armas e fruta, levando a momentos de falta de armas e de fruta estragada.
Os realistas, em minha opinião, contudo, perceberiam que alguns beneficiam de mais do que uma ferramenta, alguns poderiam ser melhores caçadores com duas armas, alguns só comem fruta ou não comem nem a fruta nem a carne distribuída.
Percebendo que, ao ver o próximo forjar a arma para melhor pescar, poderá também personalizar a sua arma para melhor caçar paquiderme. Sendo que se uma arma for dada, terá de ser idêntica, para evitar a inveja, o conflito ou o favoritismo. Críticas que não seriam assinaladas se fossem fornecidos isqueiros iguais e dele cada qual fizesse o uso que lhe fosse conveniente.
A aplicação do RBI geraria uma multiplicidade de abordagens e resultados. Alguns indivíduos poderiam optar por investir em si mesmos, enquanto outros usariam esse benefício para melhorar suas comunidades. Da mesma forma que as ferramentas do passado evoluíram, o RBI poderia catalisar a criação de um futuro mais equitativo e progressivo.
Embora não seja possível comparar diretamente o fogo ao dinheiro ou um isqueiro a um rendimento básico, podemos notar algumas semelhanças nas fases de introdução e adaptação. Assim como a descoberta do fogo gerou debate e evolução, o debate sobre o RBI também reflete a variedade de perspectivas e visões.
A acusação utópica é merecida, e literal (ver a obra Utopia), própria na fase do suplício, por acusação de bruxaria ou charlatanice. A fase de adaptação em que há muito erro generalizado na utilização, por muito simples que seja. O debate entre otimismo e pessimismo e a construção divina da Justiça e comparativos teóricos versus idealismo pragmático de supersimplificação e de aplicação indistinta, sobrando o cético, mas aberto, vislumbrar de potencial, maioritariamente (mas não só) positivo.
No entanto, ao refletir sobre o potencial positivo do RBI e sua capacidade de criar mudanças duradouras, podemos vislumbrar um futuro mais justo e próspero para todos.
Resta saber se a universalização deste fogo vai chegar, quando vai chegar e se acabar com a pobreza abjeta não é “demasiado progresso” para o nosso cérebro primitivo.