Na primeira parte do texto apresentei duas histórias do SNS. São histórias como tantas outras que podia trazer. São duas realidades indiscutivelmente diferentes, mas com pontos em comum. Em ambas, e em particular na primeira, o SNS surge como um serviço organizado e eficiente, uma realidade que se poderia comprovar em muitos pontos do país. A segunda, mais rebuscada, mostra-nos um SNS sofisticado, com profissionais diferenciados, experientes, ponderados e assertivos. Porém, o SNS de ambas as histórias, o SNS enunciado no Decreto-Lei n.º 56/79, de 15 de setembro de 1979 e anunciado por António Arnaut no governo de Maria de Lourdes Pintasilgo é um SNS do passado. Era o SNS da universalidade; equidade, qualidade; gratuitidade; integralidade; e descentralizado, era um SNS organizado para o povo, pelo povo e anunciado nas odes dos “Amanhãs Que Cantam”. Porém, a utopia nunca se cumpriu, o sonho nunca deixou de o ser. Os objectivos anunciados nunca foram atingidos e agora, todo o sistema parece estar num afastamento progressivo dos propósitos dos seus criadores. Em ambas as histórias podemos encontrar as pistas do porquê desta trajetória descendente.

Na primeira, Maria Armanda é referida como utente, o que é importante para se compreender a lógica do sistema. Até à década de 1990 o SNS promovia a saúde combatendo e prevenindo a doença. E a ordem dos factores era esta, acudia-se a quem estava doente e sempre que pertinente fazia-se pedagogia e prevenção. Algures nessa década, todos aqueles para quem o SNS tinha sido organizado, passaram a ser designados por utentes. O povo, os cidadãos, os que que utilizavam o SNS passaram a ser designados por utentes. Não bastava identificá-los como indivíduos ou cidadãos. Os utilizadores de outros serviços públicos, educação, finanças, segurança, etc, não têm nenhuma outra designação própria, são cidadãos, ou pessoas, mas para o SNS foi importante encontrar uma nova designação, passaram a ser utentes. Esta alteração à altura, acompanhou os movimentos internacionais de política de saúde. Com a mudança pretendeu-se contrariar o sentimento de inferioridade e dependência de quem se encontra doente, orientado a abordagem mais para a pessoa e a cidadania. Ao fazerem-no afastaram o SNS do seu objectivo principal, tratar quem estava doente, no que pode ser visto como um prenuncio de um mundo “Woke”. Sobrelevam os direitos, mas na trajetória paternalista de então, os deveres foram esquecidos ou deixados para segundo plano. A alteração tinha ainda implicações na relação médico-doente – o utente não procura o médico, é o médico que o convoca para a prevenção, mas também anunciava uma visão para os cuidados primários de saúde com primazia para a prevenção descuidando o tratamento dos agudos. E assim, a evolução do SNS seguiu esta trajetória, porque, dizia-se em justificação, é mais rentável e eficaz prevenir que tratar.

É por isso que a USF tipo B de Maria Armanda é tão eficiente no cumprimento dos fluxogramas e obtenção de resultados direcionados para a prevenção. São, como decorre da história muito eficientes e bons nisso. Mas será que ter métricas num sistema que lida com pessoas não o perverte levando-o a “trabalhar” mais para os objectivos, e menos para as pessoas? Quando um sistema se orienta por indicadores e os contabiliza em métricas que indexa à remuneração não perverte a prestação de cuidados?

A prevenção em saúde parte do pressuposto que a mesma é responsável pelos resultados obtidos. Não temos dúvidas que muitas medidas são investimento útil e têm resultados garantidos, mas a par da bondade da prevenção comete-se muito exagero de utilidade duvidosa. Na obsessão da prevenção e controlo dos desmandos e vícios, esquecemos que se os mantemos, não é porque não estejamos informados do seu malefício, mas tão só porque somos livres. Algures no tempo tentámos transpor a liturgia das igrejas para os hospitais. Quando fumamos, comemos demais e sem qualidade, ou não temos actividade física, sabemos que “pecamos”. É por isso que expiamos a culpa numa penitência de “consultas, exames e medicação”. A população maioritariamente sabe isso, e muitos profissionais de saúde obrigam-nos a “persignar-nos” porque têm na prevenção e nessas rotinas a razão da sua existência. Talvez seja por isso que os profetas da saúde pública nos vêm mais como crentes e utentes de um sistema.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

E assim era a Maria Armanda. Acreditava no sistema e via no cumprimento daquela liturgia de consultas, medições, avaliações e “espreitoescopias” a graça do seu estado de saudável. Maria Armanda era crente, Maria Armanda era socialista, contudo, Maria Armanda nunca tinha estado doente.

Apesar de tudo lhe correr bem e não ter qualquer queixa do sistema, ela, bem como mais de 5 milhões de portugueses têm um plano ou um seguro de saúde (3,3 milhões seguros privados e 1,7 milhões da ADSE ou equivalente). Porém, aderir a um seguro não significa que se tenha perdido confiança no sistema. Faz-se porque as noticias diárias dão nota da uma degradação que Maria Armanda não via, mas cuja notícia diária lhe causava angustia. Fá-lo porque tem receio que os “Amanhãs Que Cantam” possam não ser já tão glamorosos.

Em Portugal, em 2022, existiam 60.396 médicos dos quais 7736 estavam inscritos como de Medicina Geral e Familiar em 377 centros de saúde (nº de 2012) e 604 USF em 2023 (290 ACS e 314 USF-B). Em 2024 esperava-se que as USF-B agora inseridas em ULS pudessem cobrir 80% da população. Nos cuidados primários de saúde trabalham 70.000 profissionais, dos quais 22.000 são da área de enfermagem. É muita capacidade instalada só para a promoção de saúde e prevenção da doença. Muito mais se poderia fazer para que os cuidados primários de saúde cumpram a sua principal missão, i.e., tratem quem está doente.

Maria Armanda, nunca esteve doente e sempre que utilizou os serviços de saúde, fê-lo com marcação prévia. Quem tem um imprevisto, uma situação aguda e necessita de cuidados médicos, frequentemente “ouvia dizer”: se é urgente, deve dirigir-se a uma urgência! E assim fazíamos enquanto os cuidados primários se dedicavam à prevenção e ao planeado. O resultado desta política eram as inúmeras horas de espera amplamente noticiadas nas televisões e redes socias. Atualmente, em muitos locais não é possível recorrer a um SU, em situação não emergente, sem um contacto prévio com a linha saúde 24 ou o ACS! Era uma medida reclamada há mais de trinta anos. Mas, será suficiente?

Desde que recordo ouvir falar sobre o tema, é voz corrente que as urgências estão pejadas de casos irrelevantes, casos que não justificavam o atendimento em urgência hospitalar, casos em que habitualmente são atribuídas “pulseiras verdes e azuis” pela triagem de Manchester. Nada quanto às cores, mas pressupor que verdes e azuis não tem justificação para ali se deslocar é uma suposição preconceituosa.

Um estudo de há vinte anos, efectuado no Porto e com critérios apertados para se justificar o recurso a um Serviço de Urgência verificou que este era adequado em cerca de 65% dos casos. De acordo com este, e é único que existe a nível nacional, 65% dos doentes que recorriam a um serviço de urgência faziam-no de modo adequado. Os restantes 35% podiam ser atendidos noutros pontos do SNS se esses conseguissem disponibilizar atendimento adequado e atempado, mas também se tivessem à disposição os meios apropriados para uma resposta adequada. E não têm! Pouco foi feito para que os tivessem. Ainda que nos últimos anos se tenha feito um esforço para atender nos ACS ou USF os casos não programados, a realidade é que esse locais não têm a destreza para dar uma continuidade adequada e em tempo útil. Os pontos de exames complementares estão saturados por rotinas de prevenção e os tempos máximos de resposta garantida nas especialidades hospitalares são excedidos em mais do dobro na maioria dos casos. Todo o sistema foi desenhado para a prevenção, os enxertos no sistema não são suficientes e as pessoas por defeito, refugiam-se no sector privado.

A médica da Maria Armanda, a Dr.ª Mariana, é um exemplo típico de alguém que terminou a sua formação há pouco menos de 10 anos. Ingressou na carreira de Medicina Geral e Familiar (MGF) porque esta lhe dava acesso a uma medicina generalista e, no seu entendimento, uma profissão alicerçada na evidência da melhor pratica médica e a um contacto humano diversificado sem o enviesamento da hiperespecialização. Ser especialista em MGF permitia-lhe contactar com grande diversidade de pessoas e problemas para o que necessitava de uma cultura médica abrangente e atualizada. A oportunidade de ingressar numa USF-B para além de satisfazer as ambições profissionais, dava-lhe também uma recompensa monetária adequada. Para além de um vencimento que era perto do dobro do de colegas “hospitalares”, este, era ainda reforçado com o cumprimento de objectivos e a orientação de duas internas. A sua USF localizada na região centro, em Coimbra, tinha acesso fácil a uma multiplicidade de especialidades médicas e cirúrgicas sediadas nos sete grandes hospitais públicos existentes em Coimbra. É muita oferta de cuidados de saúde especializados para um concelho de 140.000 habitantes. Claro que esta oferta não se destina exclusivamente aos habitantes de Coimbra, mas Aveiro, Viseu, Guarda, Covilhã, Castelo-Branco e Leiria, têm também os seus recursos próprios.

A Dr.ª Mariana sempre viu a oferta pública de saúde em Coimbra como a excelência de um SNS em que se orgulhava de participar. Mariana era socialista e acreditava no sistema. Porém, em 2013, viu surgir na cidade o primeiro grande investimento privado no sector. Outros se instalaram entretanto e à presente data Coimbra já conta com cinco grandes unidades privadas. Mariana questionava-se da viabilidade desses investimentos, mas o que não intuía era que estes eram o resultado de uns cuidados primários de saúde, que escudando-se numa medicina de excelência e de prevenção, tinham deixado a descoberto quem dela necessitava. Faziam-no por pensarem que uma prevenção eficaz, torna a necessidade de tratamento de agudos numa “improbabilidade estatística”. O que a Dr.ª Mariana intuía mas não via era que a massa de necessitados ou dos apenas assustados com as notícias, ia conforme as posses, procurando a proteção de um seguro de saúde.

Com a explosão dos privados em saúde os profissionais que nos hospitais públicos auferiam metade do salário da Dr.ª Mariana, ou os que para atingirem salário igual tinham de realizar uma enormidade de horas extraordinárias, esses, olharam para as novas oportunidades e seguiram a oferta. Foi assim que os recursos do sector público foram encolhendo, primeiro nos médicos, depois nos enfermeiros e depois ainda nos outros profissionais de saúde. Haveria utentes ou doentes suficientes para tanta oferta? Mariana interrogava-se, mas o que não sabia, tal como não “vêem” todos os que pretendem resolver “o problema da saúde” pelo lado da oferta, é que para bens a que se não atribui um preço, qualquer aumento da oferta resulta sempre num aumento da procura.

Em paralelo com o crescimento do sector privado, o publico foi refletindo uma redução de recursos sendo-lhe cada vez mais difícil cumprir os “Tempos Máximo de Resposta Garantida” . Criadas expectativas, criadas necessidadeas era agora impossível controlar o desconforto de uma massa de utentes que progressivamente se transformava em moles de descontentes. E acumulavam-se, acumulavam-se à porta do consultório e a Dr.ª Mariana já não sabia que respostas dar para acalmar o descontentamento. De início era um, depois uma dezena e agora já os não conseguia contar. Para agravar a situação, os serviços hospitalares a quem era solicitada colaboração, queixavam-se que recebiam consultas sem justificação e por isso tinham transformado o que antes era um processo célere e fácil, numa muito mais pesada tarefa. A lógica era complicar o envio dos doentes e dessa forma a reduzir os “tempos Máximos de Resposta Garantidos”. Todos os dias quando chegava à sua USF-B Mariana via o resultado da pressão. Se anos antes a burocracia era resolvida em poucas horas, agora, com a pressão exercida e a redução no pessoal auxiliar, o trabalho de “back office”  ocupava-lhe mais de 25% do tempo. Mariana sentia-se tentada a ceder às múltiplas investidas que os privados faziam, já não era tão socialista.

Na segunda história, Adão Ferreira, como o nome sugere era um liberal. Não acreditava no papel do Estado enquanto fornecedor de serviços públicos. Achava o empresário de 47 anos que cada um deveria cuidar-se conforme as prioridades. Adão Ferreira via no SNS um injustificado gasto de dinheiro, dinheiro que poderia ser aplicado em sectores mais produtivos ou melhor ainda, numa redução de impostos. Num mundo justo e livre em que cada um é responsável pelas suas opções, a intervenção do Estado devia, tal como doutrinado por David Ricardo ou John Stuart Mill, ser relegada para situações próximas da indigência. Adão Ferreira acreditava nisso, Adão era um liberal.

Como acontece para a maioria, até aos 47 anos, a vida sorri-nos e se formos prudentes, a doença é algo que não nos preocupa. Adão Ferreira em boa verdade assim pensava e se tinha aderido a um plano de saúde era, não porque o visse necessário, Adão Ferreira não era obsessivo, mas porque era cauteloso.

E que jeito que lhe deu ter essa proteção quando teve a rutura do tendão de Aquiles. Recorreu a um hospital privado, foi operado tendo tudo decorrido sem sobressaltos nem complicações. A rutura do tendão de Aquiles é uma situação aguda, bem tipificada, pelo que a seguradora não levantou obstáculos. Para o nosso Adão, a leveza e simplicidade do processo só lhe reforçou as convicções liberais. Da segunda vez que teve necessidade de cuidados médicos, Adão Ferreira pode aperceber-se que o sistema privado de saúde por algum motivo estava mais vocacionado para responder a situações agudas, de desfecho mais controlável que para as crónicas ou mais complexas. O calvário percorrido por Adão Ferreira até obter um diagnóstico e tratamento adequado, ainda que seja uma caricatura dos prestadores privados, era uma realidade que progressivamente se foi alterando a par da delapidação do SNS.

O sistema privado de saúde estava na sua essência vocacionado para as situações agudas, situações não complicadas em que era previsível o investimento necessário. A dificuldade que os privados tinham há alguns anos em lidar com doenças crónicas resultava de não estarem preparados para potenciais complicações, mas também pelas limitações impostas pelas condições das apólices. Nos últimos anos a situação a nível destes prestadores evoluiu e hoje nos serviços privados de saúde os cuidados são realizados com recurso a profissionais formados no SNS e financiados por um sistema de seguros economicamente muito mais exigente.

Para os prestadores privados as más condições remunerarias é a principal causa que leva os profissionais do SNS, numa primeira fase, a acumular o horário público com algumas horas no sistema privado. Umas horas que rapidamente se acumulam e implicam a redução da carga horária no SNS. A curto prazo a situação torna-se irresistível e o inabalável “amor” ao SNS tem sempre um preço que para os privados não é difícil atingir.

Em 2022 existiam em Portugal cerca de 60.000 médicos. Cerca de 30% trabalhavam no sector privado de saúde. Destes, 35% faziam-no em exclusividade no sector privado (hospitais privados e grandes clínicas). Este número está a aumentar e nas áreas de maior procura do sector privado (especialidade e técnicas de maior sofisticação) onde este quase que esgota os recursos do sector público. Não é raro ver alguns diretores clínicos e diretores de serviço a “implorarem” a esses especialistas para que estes não abandonem o SNS nem que para isso tenham de negociar horários reduzidos. Esta “perseguição” dos privados aos “tão apetecidos” profissionais já se faz sentir nos primeiros anos de formação. Alguns ainda estão no primeiro de cinco anos de formação e já são  “assediados” para “umas horas” no hospital privado do outro lado da estrada. Do outro lado da rua! E ninguém reparou o que isso significava!

E o que fez o SNS para suster a sangria? Para as especialidades em disputa criou condições remuneratórias completamente assimétricas de outros profissionais da mesma instituição, alguns nas mesmas funções e por vezes com maior progressão na carreira. Noutros casos criaram Centros de Responsabilidade Integrada (CRI’s) orientados para situações clínicas identificadas. Nestes CRI’s os profissionais envolvidos têm um complemento remuneratório significativo. Significativo é modéstia minha pois o gestor do CRI tem um vencimento ultrajante e os médicos, esses, por 8 horas de trabalho na tarefa multiplicam por 10X o vencimento de um qualquer colega com a mesma diferenciação. É imoral, é obsceno!

Quem ler o Plano de Emergência para o SNS, quem assiste às propostas do ministério da saúde, as medidas avançadas vão sempre no mesmo sentido, i.e., remunerar melhor os profissionais onde ocorram constrangimentos. Enfim, mais do mesmo!

Os envolvidos nestes up-grades remuneratórios são uma minoria. E como reagem os que não foram “bafejados” por tão “magnânimas” medidas? Reformam-se logo que possam e quem tiver a oportunidade transita para o sector privado agravando o deficit no SNS. Paulatinamente os privados vão delapidado os recursos humanos no SNS. Começam por seduzir os especialistas das áreas de maior interesse e os outros lentamente vão bater à porta a um preço acessível. Quanto mais incentivos pontuais sectoriais se fizer no SNS mais se promove a sua delapidação!

Dirão alguns, a formação médica é dominada corporativamente de forma a impedir que o país forme os médicos que necessita! Será?

Em 2022, segundo a Ordem dos Médicos, Portugal tinha 60.396 profissionais, e é entre os outros países europeus o segundo com mais médicos – 5,5 / 1000 habitantes. A Grécia é o que apresenta o rácio mais elevado, 6,2 /1000 habitantes e em terceiro surge a Áustria com 5,4 / 1000 habitantes. Mesmo para os 38 países da OCDE, Portugal mantém o segundo lugar. Se esta era a situação em 2022, no futuro não se prevê que venha a ocorrer uma grave falta de médicos. Em 2022, nas 10 escolas de medicina frequentavam 15.550 alunos, o que dá uma média anual de saída de 2600 médicos ano. Portugal não tem falta de médicos, tem sim é um sector privado que suga sectorial e pontualmente todos os que se formam em determinadas áreas.

O Adão Ferreira da nossa história, teve dificuldade em encontrar uma solução para o seu problema na instituição privada a que recorreu. Há anos, essas unidades privadas não tinham massa crítica suficiente nem profissionais com experiência que lhes permitisse olhar para um doente como no caso de Adão e numa primeira observação antever o desfecho. Era nos corredores e enfermarias dos hospitais do SNS que este tipo de profissional abundava. Eram habitualmente os mais velhos e os mais diferenciados. Já não faziam as rotinas, limitavam-se a participar nas reuniões de serviço, a estar presentes nos corredores e nas pausas de café que repetidamente faziam. Não tinham “produção”, mas quando uma situação se complicava, ou surgia um doente com um diagnóstico mais desafiante, era sempre a eles que se recorria. Atualmente há outras ferramentas informáticas que permitem acesso a uma quantidade incomensurável de informação que há anos era impossível, mas aquelas “enciclopédias” de duas pernas a que tantas vezes recorri, essas estão em extinção no SNS. No sector privado ninguém os contrata e no público o seu desaparecimento há muito que foi anunciado. Os médicos que se vão formando não procuram o acumular de experiência e saber, limitam-se a ser bons, peritos, especialistas no que fazem. São, atrevo-me a dizê-lo, técnicos e especialistas em doenças, mas nunca vão adquirir o “coup d’œil” de quem resolveu o problema de Adão Ferreira, estes são “espécimes” em extinção. Pode ser que por aí venha um “algoritmo” que os substitua, quem sabe!

E Adão Ferreira teve sorte, usou aquele estratagema tão português de conhecer alguém, que conhece alguém, e depois de admitido no sistema, junto da pessoa certa, tudo se operacionalizou para que o diagnóstico fosse possível e o tratamento se iniciasse. No sistema privado de saúde, mesmo que um profissional efetuasse o diagnóstico, o expectável era que as complicações surgissem para a realização de exames ou na disponibilização da medicação. E não estamos a falar de exames muito complicados, nem de medicação difícil de administrar. Estamos a falar sim é de recursos com custos que os habituais planos ou seguros de saúde não cobrem.

Mais de cinco milhões de portugueses, e destes, 3,3 milhões tem um seguro privado de saúde. Os seguros de saúde têm um valor médio um pouco acima do 50 euros mês. Cerca de 40% dos segurados tem uma cobertura mínima, com um custo que ronda os 20€. Trinta e cinco % têm cobertura média com valor de entre os 50 e os 75€. Vinte e cinco % têm seguros de maior cobertura com um valor acima dos 150 €, um valor que pode em alguns casos ser superior a 250€ mês. No caso do nosso doente Adão Ferreira, um plano básico não lhe cobria a doença que teve. Só com um seguro de topo podia ter garantia de acompanhamento médico e tratamento adequados. Após os 65 anos as apólices aumentam substancialmente e os custos podem ser incomportáveis. Porém, mesmo abaixo dos 65 anos uma apólice mensal de 200€ não está ao alcance de muitas bolsas. Como quem tem um seguro de saúde é também utente do SNS, a promiscuidade está bem à vista. Contudo, a situação evoluiu e nos últimos anos e os privados e seguradoras abandonaram a posição de parceiros menores. Aprenderam o negócio e hoje dominam as regras.

Se um marciano aterrasse em Portugal e tivesse de fazer um relatório sobre a nossa actividade económica, por certo diria, após visitar os vinte concelhos das capitais de distrito, que em 13 deles o hospital público era o maior empregador. Nos restantes sete, o nº de funcionários do hospital público e o da maior empresa privada equiparava-se. Em nenhuma capital de distrito há uma empresa privada com dimensão superior ao hospital público local. A leitura que esse “marciano” faria era que a indústria da saúde era a grande actividade nacional. Se tivesse procurado uma segunda actividade, e a avaliasse pelo nº de funcionários veria que o Município seria o segundo grande empregador. Para esse marciano, os portugueses seriam um povo com enorme potencial na produção de saúde, e provavelmente um dos mais poderosos do universo a emitir licenças camarárias. Não andaria longe da realidade!

De há muito que os nossos políticos investem no sector da saúde, remetendo-lhe 1/6 do orçamento anual. Os hospitais são nos nossos dias o equivalente à catedrais do fim da idade média. São a forma de por todo um povo em “oração” e “prece” pelo “dom” da saúde. Criaram na população “uma necessidade”, empolaram a urgência e prometeram ser magnânimos no cumprimento das promessas. Só que ao criarem a necessidade, criaram também a oportunidade de terceiros surgirem e, apanhando a justificação das necessidades criadas, umas reais, outras claramente artificiais, entraram no negócio e posicionaram-se como intervenientes capazes de satisfazer as carências. Se no princípio a actividade se iniciou de forma cautelosa e discreta, agora aprenderam o negócio, dominam a maioria das variáveis e as que não dominam, intui-se que se preparam para as deixar para que o SNS cumpra a missão enunciada nos “Amanhãs Que Cantam”. Se de inicio surgiram como alternativa a quem não querendo o SNS pudesse, como Adão Ferreira, ter no sistema privado uma alternativa, evoluíram, e hoje são os prestadores de serviços a que o SNS recorre sempre que não tem condições para dispensar o serviço que incentivou e prometeu. Para o futuro preparam-se para ser o grande prestador de cuidados enquanto o SNS deverá ser remetido ao papel de financiador e de complemento para tudo o que os privados não tiverem como rentável.

De início, aceitaram as parcerias público-privadas com o Estado, num negócio que se as não fez perder dinheiro, não foi de grande rentabilidade. Fizeram-no não por espírito de missão, mas para aprenderem um negócio que queriam dominar e controlar. É uma abordagem semelhante ao jogo do “Go”, um jogo cujo objetivo não é esmagar o opositor, mas antes com pequenos posicionamentos ir ganhando uma posição que condiciona o opositor e o leva a sentir-se incapaz de prosseguir. Assim têm agido sem que os dirigentes do SNS reconheçam o conflito de interesses e absurdamente falem em colaboração. A colaboração não é possível, assim nos ensina a biologia.

A Lei de Gause, também conhecida como Princípio de Exclusão Competitiva, é um conceito ecológico formulado pelo biólogo russo Georgii Gause na década de 1930. Essa lei afirma que duas espécies competindo pelo mesmo nicho ecológico não podem coexistir de maneira estável. Noutras palavras, se duas espécies ocupam o mesmo nicho e utilizam os mesmos recursos e de maneira idêntica, uma delas inevitavelmente superará a outra, levando à exclusão competitiva da espécie menos eficiente na utilização dos recursos. A coexistência de espécies só é possível se houver diferenciação nos nichos ocupados por cada espécie. Este princípio é válido para a biologia, na história pode ser revisitado na “armadilha de Tucídides”, mas também é um conceito válido para o mundo das empresas e dos negócios.

Quando os “Amanhãs Que Cantam” foram anunciados e o SNS foi constituído, foram igualmente criadas as condições que levaram ao aparecimento dos actores que agora o ameaçam. Não há cooperação possível entre sector público e o privado que decorra do consentimento mútuo entre ambos. Isso não existe! Ou o nicho que ambos disputam é separado e deixa de haver competição, ou o sector privado vai progressivamente ocupar o espaço disponível e o que não estiver livre vai empenhar-se para que passe a estar. Depreende-se da lei de Gause.

Em 1979, no ano de criação do SNS existiam em Portugal 46 unidades privadas de saúde com capacidade de internamento. Até 1999 essas unidades privadas cumpriam um papel complementar em relação ao SNS, prestando cuidados aqueles que faziam essa opção. Os seus cuidados assentavam mais nas condições de hospitalidade e hotelaria e a procura era essencialmente determinada por quem os podendo pagar, era isso que procurava. Este paradigma manteve-se durante o primeiro período dos “Amanhãs Que Cantam”. Antes do final do milénio novas unidades de saúde com internamento à semelhança dos hospitais públicos começam a surgir. A Trofa saúde em 1999, o Hospital Cuf Descobertas em 2001 (o Hospital da Cuf Infante Santo já existia desde 1945. Em 2001 teve uma remodelação importante) e o Hospital da Luz em 2009. Na outra vertente da actividade privada, as PPP surgiram entre 2008 e 2011. Globalmente, podemos conceder ao Partido Socialista a paternidade do SNS, mas também foi ele que criou as condições que resultaram no seu declínio. Actualmente existem em Portugal cerca de 115 unidades privadas de saúde com internamento e características de hospitais. Foi durante os consulados de António Guterres e os ministros Manuela Arcanjo e Correia de Campos que ocorreu a proliferação de unidades privadas com internamento e capacidade instalada capaz de concorrer com o sector público, e foi no de José Sócrates e os Ministros Correia de Campos e Ana Jorge que as PPP foram possibilitadas para que os privados pudessem fazer a aprendizagem no sector.

Das 115 unidades hospitalares privadas há uma capacidade instalada de 36.000 camas, estimando-se que façam 172.000 cirurgias, mais de um milhão de dias de internamento e quase 6 milhões de consultas ano. A produção estimada das 115 unidades privadas representava em 2023 1/6 da produção total do SNS. É significativo, mas ainda tem claramente margem para crescimento.

No âmbito dos exames complementares, os privados já dominam. Em 2022 o SNS gastou com o sector privado 367 M € o que corresponde a um número superior a 2,5 M de actos de análises ou exames efectuados por privados e financiados pelo SNS. A este nº deverá ainda acrescer os exames financiados por subsistemas ou pagos pelo próprio. Não há dados oficiais nem suficientemente robustos que fundamentem a afirmação, mas creio que os privados há muito que ultrapassaram a capacidade do sector público na realização de exames complementares. A externalização na realização de exames complementares, já é uma realidade. Alguns exames radiológicos são efectuados nas instalações do SNS aproveitando a capacidade instalada, mas a falta de médicos leva a que a interpretação seja desviada para o exterior.

Da observação do que acontece com os exames complementares podemos ter uma antevisão do futuro para que nos encaminhamos. Um SNS que financia e um sector privado que realiza os actos médicos. Se esta é a realidade do sector dos exames complementares, no tratamento do doente agudo não emergente, a indisponibilidade ou o desleixo dos cuidados primários levou a que os privados se movam para ocuparem progressivamente esse nicho. Paulatinamente, foram crescendo, melhoraram a oferta e se há alguns anos quem se sentia com doença “séria”, não tinha dúvida em recorrer ao SNS, com as dificuldades que o SNS de hoje apresenta – ligar à linha Saúde 24, ser atendido, aguardar 24 horas pela evolução, ligar de novo, ser encaminhado para o ACS respetivo, ser atendido, marcar exames solicitados, realizar os exames, retornar ao ACS para reavaliação com os exames. Hélas! a sua situação é complicada, vai ser referenciado a um especialista, aguarda uns meses! Quando tem a consulta agendada, há uma greve, do médico, rara, do enfermeiro, do administrativo, do auxiliar, etc, muito mais frequente. É um bom cidadão e ainda acredita nos “Amanhãs Que Cantam” ou não quer perder tempo e no dia da necessidade, em vez de ligar para o “algoritmo” da Saúde-24 recorre a uma urgência numa unidade privada? Se o leitor fosse um dos cinco milhões de portugueses com seguro de saúde, o que faria? Percorreria o “rally paper” sabiamente urdido pelos nossos governantes, esperava pacientemente semanas ou meses, ou recorria a um privado e em poucas horas ou dias poderia ter o problema esclarecido? O SNS nunca deu a devida atenção ao doente agudo não emergente ou agudizado, sempre entendeu que se uma situação é “urgente” é para ser observado num serviço de urgência. Os cuidados primários sempre se viram como entidade promotora de saúde, sempre lhes pareceu que prevenindo doenças não teriam doentes, sempre por isso atulharam as agendas com o programado e nunca deram a devida atenção ao extraordinário.

Os hospitais, por seu lado, cada vez têm mais dificuldade em responder à agudização numa população envelhecida e com problemas de saúde cada vez de mais difícil controlo. Ninguém morre saudável, e se reduzimos a mortalidade infantil e a doença na idade adulta, os que passam este crivo vão seguramente ter problemas na velhice. Comparando o CENSUS de 2011 com 2021, Portugal teve redução da população em todas as faixas etárias até aos cinquenta anos e um aumento em todas as faixas acima dessa idade, tendo a população acima dos 100 anos quase duplicado. Isto deveria ter implicações na forma como planeamos e organizamos os cuidados de saúde primários e secundários.

A estas dificuldades acresce a limitação de recursos “autoflagelada” que resultou de uma tentativa de profissionalização dos profissionais na urgência iniciada no hospital S João há quase duas décadas. Foi desta tentativa de profissionalização de médicos no serviço de urgência que progressivamente permitiu aos médicos do quadro afastarem-se desse serviço. As dificuldades de hoje começaram aí a ser plantadas. Hoje os serviços de urgência são unidades atulhadas de doentes graves e complicados, aos quais não se consegue dar encaminhamento adequado porque a jusante as vias de drenagem estão obstruídas. Esperam que com a criação de a especialidade de urgência se possa resolver o problema, mas o que vão conseguir é melhorar o atendimento do emergente deixando a descoberto o agudo não emergente. Com planos destes e a previsão de um cenário destes o que espantaria era que os privados não se acomodassem a um nicho deixado vago por SNS displicente.

Mas, se os doentes e profissionais são os mesmos, se as instalações e equipamentos se assemelham, porque tem o sector privado melhor capacidade de resposta.

A resposta a este enigma é simples. É porque no SNS elevado nas odes dos “Amanhãs Que Cantam” a saúde é um bem que não tem preço, um bem  tendencialmente gratuito, um bem sem valor económico. É um bem que não tendo preço, tem um custo, só que este é remetido para OGE e não é sentido diretamente pelo SNS nem pelos seus utentes. Sempre que um bem não tem preço, aumentar a oferta estimula a procura. É por isso que as medidas que vemos propostas para que o SNS para o aumento da oferta vão estimular a procura. As medidas dos últimos anos foram no sentido de remover os elementos moderadores ao consumo, exatamente o contrario do que se deveria fazer, i.e., moralizar o consumo em saúde e responsabilizar o utilizador pelas suas opções. No sector privado, quem utiliza um seguro de alguma forma tem a sua decisão condicionada ou pelo preço da apólice, pelas franquias ou no momento da renegociação da apólice. O SNS não tem nenhum elemento moderador ao consumo, são bens sem valor económico e isso reflete-se na procura e esta na qualidade de resposta.

Se esta é uma das principais justificações da diferente performance entre SNS e privados, o outro factor que desequilibra com vantagem para o sector privado é o transvase que estes fazem de profissionais do sector público.

Tal como a Drª Mariana da primeira história se sentiu tentada, poder-se-ia elencar um vasto conjunto de causas desde as condições físicas, à organização, ao tempo gasto na burocracia, etc, etc, mas deixamos sempre para último o elemento mais apetitoso, o factor económico. As pessoas mudam para onde lhes pagam melhor, esta é a regra.

E o sector privado paga, para já, melhor que o  público. Fá-lo porque faz contratos individuais, confidenciais entre as partes e porque não funciona em rede. A rede é no sector público uma das suas principais características. Aí, um dado profissional funciona bem se o serviço no conjunto funcionar bem e funcionará tanto melhor quanto melhor funcionarem os outros serviços da sua unidade. No sector privado essa necessidade não é tão óbvia pois a forma como se organiza orienta desde o início o doente para um dado médico. A lógica do sector privado é a procura do especialista e não de um serviço. Basta andar na rua e ver a publicitação que os hospitais fazem anunciando os médicos dessa unidade. Nunca viu atitude idêntica no sector público e isto justifica muito das diferenças na tipologia de cliente entre os sectores. É por ter uma lógica assente num profissional com pergaminhos reconhecidos que o sector privado contrata os melhores e paga o que tiver de pagar para iniciar o negócio. Não lhe interessa se é rentável! Depois da contratação da “estrela”, outros virão para acelerar o movimento e por o investimento dentro da rentabilidade. Funciona assim, não necessita de rede. Lentamente a malha vai-se estendendo. Acaba por envolver todas as especialidades, mas só o faz por oportunidade de negócio, nunca por uma concepção teórica de trabalho multidisciplinar.

E o que faz o sector público. Nuns casos, quando já não consegue reter os profissionais que forma, externaliza os serviços. A outra que o sector público usa e abusa é via incentivos económicos, sejam de isenção de IRS, seja subsidiando à tarefa, seja suplementando essas horas de trabalho, ou trabalho em dados locais, seja através da criação dos já referidos Centros de Responsabilidade Integrada. Abordar a deficiente remuneração que o sector faz aos seus profissionais, aplicando incentivos pontuais e setoriais e não encarar o problema de frente e tratar todos de forma equitativa, só tende a agravar as assimetrias. Desfaz a malha da colaboração que é o âmago do funcionamento num hospital público, cria assimetrias evidentes que os funcionários cobram e de onde toram consequências, e é mais uma causa que inclina o transvase para o setor privado.

Numa altura em que os hospitais tentam repensar a sua organização, acrescentando à lógica de serviço uma lógica de abordagem multidisciplinar por patologia, por exemplo, os grupos da diabetes, da hipertensão, das imunodeficiências primárias, etc, a introdução de incentivos sectoriais ou individuais desvirtua toda a lógica de funcionamento multidisciplinar e será no futuro um importante incentivo à debandada.

A Lei de Gause funciona e o jovem “predador” que se juntou ao sistema tem todas condições para desafiar a velha ordem e assumir a posição de prestador ficando para o SNS o papel de financiador ou de cuidador dos incapazes de se provir.

Esta minha previsão tem uma falha que é também a oportunidade para corrigir parcialmente o desfalque –  a formação. O sector privado não têm capacidade formativa pela sua natureza e uma lógica assente no desempenho individual. Houve unidades privadas, com mais características de serviço que fizeram experiências formativas, mas foram casos pontuais e sempre dependentes da subsidiação estatal. O sector privado não pode refletir nos custos o valor facial da formação. Quem financia, as seguradoras, não estão disponíveis. A formação dependerá sempre de dinheiros públicos, i.e., do OGE. E esta é a oportunidade que o SNS tem de corrigir a drenagem dos profissionais que forma. Não me choca que as vagas de formação nas várias especialidades sejam divididas logo na escolha nas que não obrigam à vinculação e nas que, melhor remuneradas, obriguem a um período de carência com permanecia num local definido no momento de candidatura à especialidade.

O texto vai longo, mas não o queria terminar sem reforçar as medidas estratégicas que me parecem indispensáveis. A primeira delas é o abandono em definitivo da utopia dos “Amanhãs Que Cantam” e fazer recair sobre o utilizador parte dos custos do que consome. A segunda passa pela separação nos cuidados primários do sector preventivo do tratamento; a terceira pelo desenvolvimento de cuidados médicos específicos para dependentes e idosos. Cuidados estes que podem ser realizados em colaboração com um sector social, sem missão de lucro, mas de forma muito mais organizada e sistemática que a actual. Por último alterar a vinculação dos recém especialistas formados no SNS, de forma a impedir o recrutamento de profissionais pelos privados após ou durante a sua formação. São eventualmente propostas disruptivas e ao arrepio do que vemos proposto, mas, e citando Arthur Schopenhauer “Toda a verdade passa por três etapas antes de ser reconhecida. Na primeira é ridicularizada, na segunda gera uma violenta oposição. Na terceira é aceite como sendo algo evidente”.