A adesão e interesse populares que o casamento do Príncipe Harry e Meghan Markle no passado sábado despertou entre a população britânica legitimamente gerou curiosidade e surpresa entre os observadores do resto do mundo, sobretudo nas democracias republicanas da Europa continental. É bom que assim seja: estamos perante mais uma surpreendente demonstração de apoio popular a uma monarquia constitucional que desafia grande parte dos dogmas politicamente correctos ainda dominantes entre nós.
Devo talvez apressar-me a esclarecer que não pretendo defender os sistemas políticos monárquicos contra os republicanos. Pretendo simplesmente contrariar, com base nos factos, a crença secular de que um regime democrático assenta necessariamente num sistema laicista e republicano. E pretendo contrariar a crença secular de que um regime democrático necessariamente resulta de uma Revolução contra o Antigo Regime monárquico e aristocrático.
Talvez a característica mais saliente da monarquia constitucional britânica resida no facto de ela não ter sido centralmente desenhada por ninguém, por nenhuma “revolução fundadora”. Ela simplesmente emergiu da gradual adaptação a novas circunstâncias e do compromisso e moderação entre correntes e partidos rivais. Neste ponto crucial, ela difere da maior parte dos regimes republicanos que resultaram de revoluções fundadoras — bem como das monarquias absolutistas que, em nome de “princípios fundadores”, não souberam adaptar-se a novas circunstâncias e não souberam reconhecer a primazia dos Parlamentos.
Um crucial momento de compromisso e moderação entre partidos rivais ocorreu na chamada Gloriosa Revolução inglesa de 1688. Basicamente, não houve qualquer “Revolução”. Os moderados de ambos os lados — defensores da monarquia e defensores do Parlamento — convergiram para impedir uma nova guerra civil revolucionária entre os fanáticos de cada um dos seus lados: os monárquicos absolutistas, de um lado, e os republicanos, alegadamente defensores do Parlamento, do outro lado. Mas aqueles moderados não se fundiram num partido único: permaneceram Tories e Whigs, em rivalidade civilizada entre si no Parlamento e só muito raramente juntos em coligação governamental.
Daí emergiu (na linguagem da época, foi restaurado) o regime monárquico-constitucional inspirado na Magna Carta de 1215. Este regime ainda hoje vigora nas ilhas britânicas — com a vantagem acrescida de que, desde 1688, nunca mais houve revoluções nessas ilhas. No entanto, as ilhas britânicas frequentemente depois disso experimentaram mudanças significativas antes das muito revolucionárias repúblicas continentais. Este mistério — a capacidade de reformar sem revolução — foi celebrizado por Elie Halévy, o distinto historiador francês, recordado nas seguintes palavras da historiadora americana Gertrude Himmelfarb:
“O verdadeiro ‘milagre da Inglaterra moderna’ (a célebre expressão de Halévy) não está em ela ter sido poupada à revolução, mas em ter assimilado tantas revoluções — industrial, económica, social, política, cultural — sem recorrer à Revolução.”
Uma outra manifestação surpreendente deste “milagre da Inglaterra moderna” pode ser encontrada em Winston Churchill. Ele foi o mais determinado opositor do nacional-socialismo (vulgarmente conhecido por nazismo) e do fascismo — bem como do comunismo, o que é muitas vezes esquecido. Mas não era um republicano, nem um revolucionário, para utilizar a terminologia continental. Pelo contrário, era um enérgico conservador-liberal, defensor da monarquia constitucional britânica (ainda que também da República Constitucional americana e das democracias em geral, monárquicas ou republicanas, deve ser recordado).
Talvez o surpreendente mistério da adesão popular ao casamento real anglo-americano do passado sábado possa estar sugerido nas seguintes palavras de Churchill sobre a filosofia política de seu pai, Lord Randolph Churchill:
“Ele não via razão para que as velhas glórias da Igreja e do Estado, do rei e do país, não pudessem ser reconciliadas com a democracia moderna; ou por que razão as massas do povo trabalhador não pudessem tornar-se os maiores defensores destas antigas instituições através das quais tinham alcançado as suas liberdades e o seu progresso. É esta união do passado e do presente, da tradição e do progresso, esta corrente de ouro [golden chain], nunca até agora quebrada, porque nenhuma pressão indevida foi exercida sobre ela, que tem constituído o mérito peculiar e a qualidade soberana da vida nacional inglesa”.
A surpreendente adesão popular ao casamento real anglo-americano do passado sábado parece corroborar a existência de um mistério britânico, assente numa “corrente de ouro” entre passado e presente, tradição e progresso. Em suma, numa preferência fundamental pela reforma gradual, pela moderação e pelo compromisso, em detrimento da revolução, do fanatismo e do tribalismo.