É amoroso quando alguém diz que o seu cão ou gato é um filho, no sentido figurado, ao se cuidar com carinho de um animal. Aliás, tratar bem de todos os seres vivos é uma obrigação da humanidade e de cada um de nós em particular. O problema é quando há quem acredite literalmente que ter um animal de estimação é igual a criar uma criança. Estas pessoas consideram que fazem uma escolha e até se consideram espertos, pois conseguiram uma certa independência social e financeira. Sim, porque parece haver vantagem na possibilidade de viajar sem restrições, na falta de barreiras à alavancagem profissional, ou no relaxamento com os diferentes problemas infantis e adolescentes.
Mas há que impôr limites e fazer com que as pessoas encarem a realidade. Por exemplo, é evidente que há dor e luto quando um animal doméstico morre, mas perder um filho é um dos maiores sofrimentos por que um ser humano pode passar e só a comparação é profundamente desrespeitosa. Não se recupera de algo assim, é uma dor que fica para sempre à mostra, uma cicatriz indisfarçável que não é possível curar. Os animais podem oferecer afeto, companhia, reciprocidade e lealdade. Mas pensar que de alguma forma substituem um filho revela carências emocionais assustadoras e perturbações de personalidade latentes, com excessiva gravidade relativamente a potenciais e crescentes distanciamentos em termos de interação social ou até faltas de compaixão e empatia. Ou seja, é possível que por detrás desta afeição esteja um problema psiquiátrico.
Se é verdade que um cão pode melhorar o humor, a ansiedade e ser digno de dedicação, já quando se fala de amor incondicional ou vínculos inabaláveis, estamos a falar de realidades completamente distintas. Não é preciso ser um Freud para se perceber que o excessivo foco num animal poderá ser um desejo recalcado e inconsciente de ter filhos e não se poder, quer por condicionalismos físicos ou dificuldades psicológicas de relacionamento e de assumir compromissos.
Assim, pode não ser um forma de egoísmo, mas sim um problema intrínseco, tratável ou não. Devemos portanto tratar com compreensão e compaixão as pessoas que sofrem deste distúrbio. No entanto, é fundamental impôr limites e estabelecer a diferença entre a fantasia e a realidade. Ser mãe de uma criança é moldar o futuro de alguém que amanhã será o responsável pela humanidade, é mudar a forma de ser, agir e pensar do próprio progenitor, alterando os planos de vida e o discernimento relativamente à presença neste mundo. A família e a diversidade geracional são insubstituíveis. Além disso, o ser humano não é um simples animal que vive pelas necessidades básicas, alimentação e sexo. É fundamental dar valor à vida, às potencialidades infinitas do génio humano, da capacidade de trascender e fazer sacrifícios, de sonhar e criar, de ser muito mais do que um número ou um dos tijolos de muros feitos para nos separar, isolar e diminuir. Sim, o cão é o melhor amigo do homem, mas o amor humano é o que nos mantém através das gerações e faz o mundo avançar.