Há cada vez mais velhos na minha rua, a caminharem em silêncio de um lado para o outro, como um pêndulo de um relógio antigo a que alguém insiste teimosamente em dar a corda. Andam vagarosamente numa cidade que já não é sua e que deixou escapar os valores que a criaram e sustentaram ao longo dos séculos. O Porto está diferente, já não é o porto de abrigo, nem o porto seguro. É o Porto de outra gente qualquer.
Segundo o INE, a percentagem de idosos no município do Porto subiu de 19,4% em 2001, para 26% em 2021. Já a população residente total na cidade diminuiu de 263 mil para 231 mil pessoas, sendo 8,1% de estrangeiros legais.
Saem à rua porque o relógio da sala tem um pêndulo que vai para um lado e vai para o outro e nunca fica quieto por mais quieto que o velho fique. Ninguém lhes disse que, depois de uma vida de luta e trabalho, iam ficar sozinhos e desamparados na fila da morte. São tristes e magros e a pensão nem sequer chega para os medicamentos que lhes prolongam o sofrimento. De vez em quando vem um para a porta da farmácia com uma caixa vazia e pede aos transeuntes para a encherem porque senão morre. Mas a maioria não é assim, são orgulhosos, têm mais medo de viver em vergonha do que da morte inevitável que se esconde em cada esquina.
A mortalidade sénior atingiu um pico de 10,4% em 2020. Enquanto isso, no ano seguinte, o total de pensões pagas só pela Segurança Social no Porto foi de 70.961 (dados do INE).
Os velhos da minha rua estão a morrer. Vão ao supermercado porque se habituaram à mesma rotina desde sempre, mas não compram nada porque não têm dinheiro e olham disfarçadamente para a comida cheios de fome, mas não roubam nada porque há muito tempo outros velhos lhes ensinaram que nunca se devia roubar. Sofrem em silêncio porque há muito tempo outros velhos lhes ensinaram que se devia sofrer em silêncio.
O custo da alimentação acaba de registar, em Dezembro, a maior subida em quase 40 anos, segundo o destaque do INE publicado esta semana.
Ali ao lado era uma mercearia onde na infância iam buscar o que dizia a lista escrita à mão pela mãe, mas agora é uma casa de alojamento local. Mais à frente era uma livraria dos tempos idos dos avós, mas fechou recentemente. Por fim, sentam-se nas cadeiras dos parques, do Campo a São Lázaro, onde observam as crianças a brincar e por momentos vêem os netos. Os corações sobressaltam-se e rejuvenescem por segundos. Mas não, são os filhos dos turistas e na verdade os netos estão lá bem longe da cidade, a morar num lugar onde as casas não são só para os turistas.
O valor médio de compra e venda de propriedades na cidade do Porto era em 2021, segundo o INE, de 206 mil euros. Quase o dobro relativamente ao total do país.
No final do dia dão corda ao relógio da sala para que o maldito pêndulo vá para um lado e para o outro. Talvez amanhã o minúsculo quarto fique em silêncio porque o relógio ficou em silêncio e outro velho tenha morrido em silêncio.