Não é sobre os chineses. É sobre o modelo de governação da China. É mais: é sobre o modelo económico e político de governação da China. Mas não é apenas sobre o Governo chinês. É sobre todos. É sobre nós. Somos todos parte de um problema gigante que deixamos crescer. Com total desrespeito pelos direitos humanos. Destruindo de forma acelerada e gritante o ambiente. Temos todos culpa.
A China é, atualmente, a segunda maior economia do mundo (atrás dos EUA) e o maior exportador mundial de bens intermédios, com mais de 30% da quota mundial. É também o país que registou o maior crescimento económico dos últimos 25 anos. É um país-fábrica que, assente numa estratégia de baixo custo, conseguiu atrair as maiores marcas mundiais, da eletrónica ao vestuário, do automóvel à informática. É hoje difícil identificar o que não passa pelas fábricas chinesas.
Mas se no mundo ocidental vamos impondo regras cada vez mais justas para o trabalho, para os testes em animais, para o respeito pelas diretivas ambientais, encontramos no parceiro chinês uma forma de contornar as mesmas regras que definimos e aprovamos, produzindo com mão de obra infantil, mão de obra forçada, no total desrespeito pelos direitos humanos, direitos dos animais e normas de proteção do ambiente. Um contrassenso escandaloso a que todos, enquanto consumidores, fechamos também os olhos, beneficiando com os baixos preços dos produtos que compramos.
Estamos, há muito, entretidos num consumismo viciante. E a China foi crescendo e desenvolvendo a sua capacidade tecnológica. Primeiro, num processo de imitação e contrafação. Depois, evoluindo para sistemas e produtos similares aos ocidentais, mas desenvolvidos internamente. E quando a “bomba atómica” cai nas mãos erradas o risco dispara exponencialmente. É isso que está a agora a acontecer.
As telecomunicações são hoje um símbolo da nova face chinesa, que já lidera a tecnologia 5G e desenvolve os seus próprios chips, sendo que um dos mais recentes smartphones produzidos no país já não contém nenhum competente americano. O país começa a conquistar as economias emergentes de África, Ásia e América do Sul (para além dos fortes investimentos em Portugal em diversas áreas), aumentando a sua influência fora de portas. Mas também controlo – há muito exercido em território chinês –, o que lança agora a discussão da proteção de dados para uma outra esfera e uma outra preocupação.
No meio de tudo isto há um vírus à solta. Nasceu num mercado que é um foco de contaminações, onde animais selvagens são exibidos, mortos e comercializados em condições deploráveis. Um local do mesmo país onde surgiu o SARS, no final de 2002, e a gripe aviária, em 1997 e novamente em 2003. Sem alimentar a ideia da premeditação na propagação deste vírus, a forma como as autoridades chinesas geriram e continuam a gerir o caso – escondendo a verdadeira dimensão do problema e tendo, alegadamente, silenciado quem tentou alertar o mundo – é no mínimo criminosa.
A culpa nunca é só dos outros. Muito menos do povo chinês, também ele vítima desde modelo. Mas olhemos para nossa casa. Para o telemóvel que usamos, para a caneta com que escrevemos, para a roupa que vestimos. Quantos produtos chineses trazemos connosco? Quantas vezes nos preocupamos verdadeiramente com a origem do que compramos e em que condições e com que impacto foi produzido? Somos todos parte deste problema. Hoje estamos em casa porque o Governo chinês negligencia há anos um problema de saúde pública, continuando a mentir. A sua economia depende desta mentira. Até quando vamos fingir que é não connosco?